Tempestade sobre o abismo

O clarão do relâmpago iluminou o céu de um lado a outro, camadas de nuvens escuras empilhadas como tabuleiros acima e abaixo do posto de observação panorâmico da Usina de Captação Nº 4, ou, simplesmente UC-4. Poucos segundos depois, o trovão fez estremecer a megaestrutura de cima a baixo. Euterpe Marquelain, que observava a cena familiar com expressão séria e braços cruzados, virou-se para trás como se alguém a estivesse observando; de fato, Parmenion Lasterra estava ali, em silêncio.

- Tem algo a me dizer? - Indagou ela, descruzando os braços.

- A "Lur Berria" entrou em órbita - replicou Parmenion, posicionando-se ao lado dela, mãos nas costas. - Ao que tudo indica, receberam ordens para levá-la tão logo a tempestade passe.

- Foi a informação que lhe deram? - Questionou Euterpe, cenho franzido.

- Não me diriam isso, - Parmenion suspirou - mas foi o que pude averiguar. Não estão aqui somente para encher os tanques de hélio, pode ter certeza.

Euterpe balançou lentamente a cabeça e também pôs as mãos para trás, encarando as massas de nuvens que cresciam à frente da UC-4.

- Depois da tempestade, você disse.

- Sim, não se arriscariam em atracar na usina com ventos de 200 km/hora.

- Verdade - Euterpe fez um aceno de cabeça. - E quanto tempo a meteorologia acha que essa tempestade pode durar?

Parmenion deu de ombros.

- Três, quatro dias, no máximo. Por quê?

Euterpe lançou-lhe um olhar onde havia um laivo de humor:

- Creio que vamos começar a procurar tempestades próximas para explorar... preferencialmente, que durem alguns meses.

Parmenion ergueu os sobrolhos.

- Entendo o que quer fazer, mas isso só vai atrasar os carregamentos; por conseguinte, também não receberemos pagamento. Quanto tempo acha que pode ficar nesse esconde-esconde? Quanto tempo até a tripulação provocar um motim?

Euterpe franziu os lábios.

- Minha tripulação é fiel, Parmenion. E você? Posso confiar na sua lealdade?

- Sabe que pode contar comigo, Euterpe - assegurou Parmenion, com ar ofendido.

Euterpe balançou a cabeça.

- Muito bem; pois então, vamos prospectar noutro campo. Um que atenda às minhas especificações, que fique bem claro.

Parmenion pediu licença para cumprir a ordem e deixou Euterpe só, no posto de observação. Antes de subir para a ponte de navegação da usina, mandou uma breve mensagem codificada por rádio para um receptor em órbita:

- Tudo segue conforme o previsto; ela não vai permitir a abordagem da "Lur Berria".

Ao decodificar a transmissão, o destinatário riu.

- Teimosa como uma mula! Eu não esperava menos de uma Marquelain.

E mandou que seus homens se preparassem para uma espera longa.

- [Continua]

- [24-01-2022]