O campo de destroços

Tendo se livrado dos perseguidores, a "Avgerinós" seguia agora em força de impulso através das nuvens de gás e poeira da Confluência Trissolar. Antigo berçário de estrelas, a nebulosa continha ainda um sistema com três sóis muito jovens, formados há poucas dezenas de milhões de anos, e envoltos por anéis de detritos que haviam sobrado depois do processo de formação estelar. Era um lugar caótico e de navegação arriscada, perfeito para uma emboscada, o que de fato ocorrera três séculos atrás, durante as Guerras do Braço Exterior. Mais de cinquenta naves de combate da Aliança de Perseus haviam sido destruídas ali por atacantes da Confederação do Esquadro, em muito menor número, deixando para trás muito material bélico e munição. Curiosamente, após o fim dos conflitos, nem a Aliança nem a Confederação jamais reivindicaram a posse dos destroços, os quais foram caracterizados como um monumento aos mortos de ambos os lados, o qual não deveria ser perturbado por caçadores de relíquias como Ash White e Bev Ortiz. Mas porque a atual administração regional havia destacado uma corveta da Patrulha Estelar para controlar o acesso ao local, era algo que a dupla de aventureiros estava se arriscando para descobrir.

- Creio que não vão nos incomodar daqui por diante - afirmou White, que ainda usava o traje espacial indispensável em ambientes perigosos como aquele. Também devidamente protegido, Ortiz lançou um olhar para o parceiro através do visor do capacete.

- Você sabe que eles não foram embora, só estão esperando a gente sair - redarguiu. - E nós vamos ter que sair, você sabe.

- Mas não pelo mesmo lugar onde entramos; - replicou White - a Confluência é grande, a Patrulha não pode estar em todos os lugares ao mesmo tempo.

- Não sei se vamos ter outro golpe de sorte daquele, do torpedo se desviar a poucos quilômetros da nossa nave - prosseguiu Ortiz.

- Já disse que não foi um golpe de sorte, mas a Confluência agindo a nosso favor - insistiu White, alterando ligeiramente o curso para interceptar uma grande massa de destroços, no exterior de um anel de poeira onde um planeta rochoso parecia estar em formação. - Os antigos contam histórias estranhas sobre esse lugar, de reatores que param de funcionar e armas que falham.

- Talvez fosse prudente respeitar os antigos - ponderou Ortiz, olhos fixos nos indicadores da proteção eletromagnética contra detritos espaciais.

Sem lhe dar atenção, White posicionou a "Avgerinós" em paralelo aos destroços, um grupo de batalha da Aliança. Um torpedo de fusão parecia haver detonado bem próximo das astronaves, que apresentavam superfícies derretidas e estraçalhadas por impactos posteriores, deixando atrás de si uma cauda de fragmentos metálicos e corpos em trajes espaciais.

- Não devem ter nem percebido o que os atingiu - avaliou White, acercando-se cuidadosamente de uma fragata no centro do grupo. - Acho que podemos começar por essa aqui, ponha a nave no automático.

Ortiz suspirou e obedeceu à ordem recebida.

* * *

Fora da "Avgerinós", a Confluência parecia ainda mais terrível e assustadora, com os três jovens sóis iluminando o gás da nebulosa ao redor deles num tom alaranjado, como se estivessem dentro de um forno aceso. Contra essa névoa luminosa, destroços da formação estelar e de astronaves de combate destacavam-se como silhuetas negras.

- É uma visão do inferno - comentou Ortiz enquanto manobrava o traje espacial, aproximando-se de um grande buraco no costado da fragata aliada.

- Decerto que os patrulheiros concordam com isso - replicou White, ao lado dele.

A dupla trazia uma grande rede de arrasto, que seria enchida com o butim encontrado a bordo, e posteriormente rebocada pela "Avgerinós". Dependendo do que fosse encontrado, uma única viagem como aquela seria o suficiente para torná-los ricos. A rede foi presa junto ao buraco, e os dois adentraram os destroços, luzes dos capacetes acesas. Ao redor deles, flutuando no ambiente sem gravidade, fragmentos metálicos e todo tipo de objeto e utensílio encontrado numa nave de guerra.

- Vamos começar pelo camarote do comandante - decidiu White, consultando um mapa digital no pulso do traje. - Se sobreviveu ao impacto, pode ter algo de valor lá dentro.

Subiram até um piso em ruínas, que levava aos aposentos da equipagem. Alguns dos quartos tinham as portas abertas, e por ela puderam ver corpos de tripulantes que provavelmente dormiam no momento do impacto e haviam sido pegos de surpresa.

- No fim do corredor - determinou White.

Havia uma escotilha blindada que separava a ala dos subalternos da dos oficiais, e ela estava fechada. O camarote do comandante certamente ficava do outro lado.

- Se não houver um acesso alternativo, vamos ter que tentar destravar a porta manualmente; isso pode demorar e nem sei se vale a pena - avaliou Ortiz.

- E se tentarmos ligar a força no painel de comando da escotilha? - Indagou White.

Ortiz aproximou-se e iluminou o painel. Em seguida, sacou uma chave de boca do cinturão de ferramentas e começou a soltar as porcas que seguravam a placa de proteção.

- Pode funcionar - redarguiu por fim, expondo a fiação que alimentava o circuito.

Ligou uma bateria portátil a um dos terminais expostos e após alguns minutos de ajustes cuidadosos, uma lâmpada piloto acendeu-se: a escotilha estava operacional. Ortiz apertou o botão que a controlava e a pesada peça metálica deslizou silenciosamente para o lado, revelando a boca negra de outro corredor diante deles.

E bem no meio da passagem, uma figura num traje espacial da Aliança parecia estar à espera deles.

- [Continua]

- [18-01-2022]