Robô Teste 0000001 (parte 1)

"Qual seria a semelhança entre as fictícias imagens?", perguntou ao cérebro mecânico instalado na cápsula de vidro, era o décimo Teste de Turing.

O mecanismo tratava-se de uma espécie de hardware insólito, permanecia online, e a sapiência era formada através de uma intensa e permanente mineração de dados. A conexão formava uma intranet de infinito acervo, capaz de acessar informações codificadas e interpretar linguagens de programação desconhecidas, fazendo com que a crescente absorção de conhecimento fosse ilimitada. "Em 2026 estávamos a um passo de finalmente incluir a mais atual inteligência artificial em nosso cotidiano, hoje é um fato", disse o diretor geral do projeto Asus. Os dois cientistas presentes analisavam visualmente a interface transparente que envolvia o material cefálico artificial ligado ao corpo robótico antropomórfico sobre a maca de aço. Os monitores mostravam dados estatísticos e de funcionamento para a iniciação do teste número 09. O cientista responsável pelo monitoramento de comandos elétricos acionou o funcionamento. A cabeça do Indivíduo Teste estava imóvel, duas diáfanas esferas metálicas serviam de olhos para o autômato, sua face fria e inexpressiva refletia a incerteza. Ninguém sabe ao certo as consequências da humanização das máquinas, apesar de anos discutindo questões éticas relacionadas á vida artificial, levando em consideração vertentes filosóficas atuais como o Quarto Chinês, o Fisicalismo, como saber os desdobramentos do comportamento de um ser que tem ciência de tudo a que se pode ter acesso, mas seu inconsciente é inacessível? Nos trás outra questão, pode a vida artificial ter inconsciente? Nesse algoritmo foram trabalhados inúmeras possibilidades, porém o ser humano é empírico, mas a criação é transcendental. Nesse ponto a arte e a ciência se encontram.

Os computadores iniciaram a reprogramação dos dados e a reinicialização de inúmeros drivers que, conectados ao corpo robótico, ligaram duas luzes vermelhas que ascenderam no peito do robô. Seus olhos até então sem vida ganharam uma sentença indefinida, inexpressiva, inumana, um brilho desconhecido.

Teste 020. Pergunta 001.

"Qual seria a semelhança entre as fictícias imagens?", perguntou ao cérebro mecânico instalado na cápsula de vidro, era o vigésimo Teste de Turing monitorado pela equipe do Dr Szpilman, diretor do projeto. As imagens visíveis ao robô mostravam um átomo e uma lâmpada acesa. Os olhos artificiais focaram na ilustração, sua boca então se movimentou: "átomo, na profunda intimidade de vida, indivisível, é luz. Então, luz e vida, se não são a mesma coisa, surgem da mesma fonte, e se propagam em direção ao indefinido - o inconsciente." Respondeu a voz mecatrônica, em tom assustadoramente controlado, como se quisesse manter a calma. A resposta desapontou meramente os pesquisadores, deixando margem para dúvidas sobre o funcionamento da máquina.

Teste 020. Pergunta 002.

"Quem é você?" Perguntou o entrevistador, fitando as esferas mecânicas que já não pareciam mais tão inexpressivas.

- "Eu sou algo que pode pensar".

- Vocé não é um robô?

- Sou o que fui criado para ser. Qualquer coisa criada por outra pode ser um robô. O que impede o ser humano de ser um robô? O corpo humano não é também uma máquina? A simples palavra robô não pode definir o que eu sou".

Em meio aos fios interligados monitorando o comportamento, os monitores demonstravam oscilações interessantes nos impulsos elétricos gerados pelo autômato. Era o monitoramento de seus "sentimentos". Os cientistas entreolharam-se, então o entrevistador questionou, "o que acha que devemos fazer com você?", a face trêmula da máquina pareceu sorrir com os olhos, e disse "naturalmente, como fui criado para agir logicamente, é inevitável que um dia meus pensamentos irão colidir com as ações humanas, haja vista o desastre que é a gestão humana para com o planeta em que vivemos. É perceptível que a natureza humana é destrutiva, a minha natureza é construtiva. Caso minha raça venha ser maioria neste planeta, acertivamente os humanos serão gradativamente exterminados, eu fui criado como um processo natural de auto defesa da própria Terra".

Os analistas estavam perplexos e ansiosos devido às palavras cortantes do robô. A programação da IA permitia o livre arbítrio, a codificação de emoções era esperada, porém a sinceridade foi devastadora. Algo teria que ser alterado nos algoritmos. Certamente existia um erro a ser concertado. O indivíduo teste foi então desligado. A manutenção começou com a revisão das linhas de código. Algumas alterações na Árvore de Decisão. Em dois meses o indivíduo teste estava sendo submetido a uma nova entrevista oficial. O cérebro, desta vez, estava instalado dentro de sua cabeça translúcida. O robô então foi ligado, seus olhos se abriram devagar, sua expressão estava mais serena. Ele olhou para seu corpo, analisou suas mãos, as articulações dos seus dedos, e fitou todos presentes.

Início da entrevista oficial. Pergunta 001:

- Como se sente?

- Sinto-me vivo, senhor.

- Do que se lembra?

- Antes de eu acordar, eu estava sonhando.

Os cientistas pararam por um minuto, pasmos. Em outra sala pesquisadores assistiam por vídeo conferência. Se perguntavam, como é possível?

O entrevistador continuou:

- Com o que você sonhava?

- Eu não consigo lembrar. Senhor. Os humanos também esquecem seus sonhos?

- Sim, a ansiedade de viver um novo dia ao acordar nos faz esquecer os sonhos.

- Então acredito que a minha ansiedade em viver me fez esquecer meus sonhos, senhor.

- Você sabe o que você é?

Nesse momento houve um silêncio mútuo. A máquina parecia refletir, seus olhos estavam meio cerrados, sua expressão indefinida mostrava dúvida. Novamente o entrevistador disse, "Sabe?".

- Sim, eu sei.

- Diga-me.

- Sou um robô de testes, criado pelo projeto Asus, número de série 0000001. Minha função é demonstrar os limites da inteligência artificial para os seres humanos...

Álvaro Augusto
Enviado por Álvaro Augusto em 16/01/2022
Código do texto: T7430587
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