Não paramos para ninguém
Os tremores ocorreram por volta das 2300, horário global; aliás, não eram exatamente tremores, mas abalos causados por algo realmente grande que havia se chocado contra a superfície, dois km acima de nós. Não havia sido um impacto direto, muito provavelmente, ou nós não estaríamos aqui para contar; na velocidade em que íamos, qualquer coisa que batesse contra a superfície abriria uma cratera bem profunda. Exatamente por isso, nossas cidades haviam sido construídas no hemisfério do planeta oposto ao sentido do movimento: que melhor escudo contra colisões do que todo um planeta à sua frente?
- Relatório - inquiri Kasaru, o operador de plantão, ao entrar no posto de sensoriamento remoto.
- Atravessamos uma nuvem de detritos, capitão Alinafe - replicou. - A Central havia previsto alguma trepidação nesse trecho da rota, mas parece que subestimaram o perigo.
- Aqui, todos somos voluntários - suspirei. - Ninguém gosta desse trabalho, mas é voluntário.
E erguendo os olhos dos sensores no console de Kasaru para a tela de situação, na parede diante de nós:
- É seguro mandar um drone, ou acha que devemos esperar um pouco mais?
Kasaru voltou-se para o monitor do console, onde caracteres alfanuméricos piscavam.
- Perdemos meia dúzia de estações de telemetria... melhor começar logo.
Dei a ordem para liberar um drone para a superfície. O aparelho, dotado de várias câmeras e sensores, estava abrigado num bunker de concreto reforçado, bem mais próximo da superfície congelada de Chidothi, do que nós, da tripulação de vigilância. Afinal, máquinas podem ser substituídas mais facilmente do que seres humanos...
- Muita poeira e fumaça... - comentou Kasaru, um tanto desnecessariamente, ao ver as primeiras imagens transmitidas pelo drone. - A Central vai ter que realocar aquelas estações de telemetria em outro lugar.
Por dezenas de quilômetros quadrados, no ponto onde os detritos haviam batido contra nós, havia várias crateras de impacto, ainda incandescentes e expelindo gases como simulacros de vulcões.
- Sorte nossa que o espaço interestelar é, em grande parte, apenas vácuo - ponderei. - Seria complicado ter que acionar os motores para desviar de toda rocha que atravessa o nosso caminho...
- Pois é, capitão; mover um planeta um pouquinho para o lado, sempre será complicado - assentiu Kasaru, elevando o drone acima da paisagem que mesclava fogo e gelo. - É por isso é que o nosso lema é: "não paramos para ninguém".
- Abram alas para Chidothi - resumi, braços cruzados.
- [24-12-2021]