Esquecendo o viver

Quando Pedro pode se levantar da cama, sentiu a primeira sensação que havia buscado, de liberdade, não havia mais resquícios de nada que ele desejasse esquecer, no ano de 2030 a moda era a desintoxicação memorial, nada mais claro que o próprio nome já expressava, o que começou como uma chave para traumas graves se transformou na maior sensação entre a faixa etária dos vinte aos quarenta anos, eles poderiam em questão de horas apagarem uma recusa traumática de emprego, um fora bem dado ou o mais pedido, um termino de relacionamento, no lugar apenas uma boa sensação como férias perfeitas ou um jogo do seu time sendo campeão ficava no lugar.

Pedro não era diferente de ninguém aproximadamente da sua idade, quando decidiu apagar Julia apenas duas certezas permeavam sua mente, a necessidade de uma boa noite de sono e não sentir culpa pela sua fragilidade emocional, o relacionamento nunca foi desgastante, pelo contrario qualquer um que os vissem era como enxergar um casal perfeito, eles combinavam até no modo em que completavam uma mesma frase, mas tão perfeito quanto à união também são as equivalentes que levam ao fracasso e numa bela noite de sábado um contato telepático celular, a invasão em suas privacidades mais escondidas e o termino, a ruína junto do gosto de podre que só sensações desagradáveis e inesperadas podem propiciar a alguém.

Os primeiros dias ele bem que tentou agir com normalidade, mesmo sabendo do processo de desintoxicação ele seguia o movimento “Viva o agora” pequeno grupo que pregava a manutenção dos sentimentos, onde você só seria completo se conseguisse desfrutar também de suas derrotas, entretanto não havia uma noite onde suas ciber ligações não eram recusadas, olhar pelo sistema ocular de memoria na nuvem havia se tornado um martírio e Pedro cada vez mais se tornava irritadiço.

Quando chegou a quarta semana havia criado um pacto secreto consigo mesmo, não haveria coisa mais idiota do que fazer algo secreto onde você mesmo é testemunha, prometera que mais uma semana daquela forma e ele zeraria não somente seus dados, mas daria fim a qualquer resquício da vida que ainda julgava existir, o primeiro dia confessou a si mesmo que foi divertido, viveu sem remorsos, sem culpas e apenas sorriu, ao chegar em casa não houve tentativa frustrada de ligação, nem retorno que mesmo ignorando ele esperava todos os dias, foi só no quarto dia que na ligação entre aero trens ele pode ver Julia com alguém, talvez se tivesse olhado melhor até reconheceria o sujeito , mas de verdade de que isso adiantaria naquele momento ? ele realmente jamais saberia explicar, mas saiu correndo, era sim o fim, ele jurou, falou consigo mesmo que era a semana decisiva e nada mais poderia ser tão nocivo, sentado no banco da praça como se por destino a propaganda no holograma dizia “ Esqueça aquilo que ainda doi, seja livre da dor e viva uma nova história, venha para a nova chance e conheça todos nossos planos” dizem que basta apenas um dia ruim para um homem mudar seus planos e naquela hora, nesse exato momento não existia mais volta.

Ao se levantar Pedro sorri, olha em volta e tudo parece tranquilo como se tivesse dormido tanto que poderia passar dias acordado, suas roupas organizadas e um bilhete com todos os procedimentos pós-operatório era tudo que havia no quarto branco com uma bela imagem do nascer do sol, no saguão principal agradece no serviço de recepção, tudo vai bem e ele nem sequer pode lembrar-se do procedimento realizado.

Na rua tudo parece novo mesmo que conheça cada pedaço de chão onde coloca os pés, mas quando uma garota passa ao teu lado com seu parceiro e o fita vergonhosamente abaixando a cabeça como se tentasse esconder algum sentimento que parecia mal entendo, ele apenas anda em linha reta e segue seu caminho como um bebê que segue mais seus instintos do que suas predileções, não existe mais amor, rancor ou ódio, já não existem mais memórias dela.

Eduardo Haraki
Enviado por Eduardo Haraki em 22/12/2021
Reeditado em 21/10/2022
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