Sucata Espacial
O aerotáxi me deixou em frente à Sucata da Jenny, em Oburne. Era uma área de cerca de 10 mil metros quadrados, protegida por uma velha cerca metálica coberta de manchas suspeitas, que tanto poderiam ser grafites desbotados quanto corrosão. Junto à entrada, sentada no que reconheci ser uma poltrona de comando de um cruzador polteriano (provavelmente, um Série D), avistei a proprietária em pessoa, tricotando algo com linha cor de rosa. Jenny estava mais para cheinha do que para curvilínea, e não parecia muito preocupada com sua imagem corporal, pois vestia um conjunto amarelo de short e top, que evidenciavam suas pernas rechonchudas, rasteirinhas nos pés e bobs de plástico na cabeleira ruiva curta.
- Você deve ser a Jenny - disse, ao me aproximar dela.
- A própria - redarguiu, parando de tricotar e me encarando.
- Sou o Rhashan - identifiquei-me. - Estou procurando peças sobressalentes e alguma pechincha eventual.
- Veio ao lugar certo, Rhashan - anunciou Jenny. - Temos de tudo um pouco... espaçonaves usadas, robôs de segunda mão, pechinchas eventuais...
- Posso entrar e dar uma olhada?
- Claro; basta usar um bracelete de gravação.
Jenny estendeu a mão para uma caixa ao lado da cadeira de comando e dali retirou um bracelete preto, com um LED vermelho piscando sobre ele. Coloquei o dispositivo no meu pulso esquerdo, e o LED parou de piscar e tornou-se verde.
- Aqui só trabalho com lotes fechados - explicou. - Basta falar o número do lote ao bracelete, e ele será incluído na sua lista de compras. Na saída, você confirma comigo os lotes que deseja levar. A entrega pode ser imediata ou no endereço que você especificar; é daqui mesmo, de Byrd?
- Não, na verdade - respondi, relanceando o céu arroxeado sobre nossas cabeças, onde Hyde, a lua externa, aparecia como um disco prateado. - Sou de Keyair-IV.
- Está bem longe de casa, Rhashan - avaliou Jenny com um olhar especulativo. - Bom, pode demorar o quanto quiser; não fechamos para lanche.
Agradeci e passei pelo portão que conduzia ao ferro-velho, enquanto Jenny voltava ao seu tricô. Estava tricotando mitenes, ao que parecia.
* * *
O sujeito que havia me dado a dica sobre a Sucata da Jenny, dissera que ali se encontrava material difícil de conseguir em outros ferros-velhos, e eu estava propenso a concordar com ele. Em qual outro lugar teríamos lado a lado, um antigo transbordador da Companhia de Viagens Interestelares e um foguete translunar ozek, o casco de alumínio cheio de amolgaduras?
- Lote 318 - falei ao bracelete, cujo LED piscou registrando a informação.
Já de volta à entrada do ferro-velho, Jenny conferiu a relação dos lotes que eu iria querer comprar.
- Vai levar o 318? O foguete ozek? - Ela pareceu estar genuinamente surpresa. - Você não parece ser o tipo de cara que compra antiguidades...
- É para decoração - aleguei, embora isso não fosse exatamente verdade. Foguetes ozeks não eram exatamente raridades, mas eu tinha planos para o exemplar do lote 318.
- Ah, sim - Jenny pareceu acatar minha explicação. - Deixe seu endereço de entrega, prazo de até dois dias, dentro deste sistema solar.
- Mande entregar no Último Recurso, em Hyde - especifiquei.
Jenny balançou a cabeça, como se algo divertido lhe tivesse vindo à memória.
- O Último Recurso... eles ainda tinham ozeks como patronos permanentes há alguns séculos, não é?
- Sim - confirmei. - A dona gostaria de ter um autêntico foguete ozek ao lado do estabelecimento. Acha que isso poderá atrair turistas.
Jenny, que continuava a tricotar enquanto conversava comigo, fez um muxoxo.
- Os clientes iam lá por causa dos ozeks, não acho que vão dar atenção à uma carcaça de foguete.
- Turistas - corrigi. - Um outro tipo de cliente.
- Se você diz - retrucou ela, concentrando-se no tricô.
Sobre nós, o céu estava cada vez mais roxo; tempo de voltar para Hyde, decidi. Talvez algum ozek, retornando ao seu sistema solar natal, visse o velho foguete do lado de fora do Último Recurso e soubesse, sem sombra de dúvida, que ali ainda eram queridos.
Os clientes sentiam a falta deles.
- [13-10-2021]