Último Recurso

Pousamos o foguete próximo do Último Recurso, o posto avançado em Hyde, a lua externa de Byrd. Levon estava sedento por um drinque, antes de seguirmos viagem pelo Vazio de Antiere.

- Ouvi dizer que eles têm a melhor vodca metil do quadrante - comentou Levon, enquanto ajustava suas armas no traje espacial.

- Considerando que este é o último posto da Aliança neste quadrante, eu não ficaria surpreso - repliquei, conferindo os indicadores do traje antes de encaixar o capacete. - E para quê vai levar todas essas armas? Não estamos indo para a guerra, só tomar uma bebida.

- Aqui não é a fronteira? - Disse ele com um sorriso sardônico. - Sabe lá que tipo de alienígenas iremos encontrar nesse lugar perdido!

Ergui os sobrolhos.

- Oh, devemos ter muitos nativos de Byrd, pelo que sei. São umas criaturas bizarras e totalmente incompreensíveis; portanto, eu sugiro que trave todo o seu arsenal portátil para não começarmos uma guerra interplanetária aqui, na fronteira.

- Criaturas bizarras? - Levon encaixou seu capacete no traje e também checou os indicadores no pulso direito. - Já vi hologramas deles... parecem micos, lêmures da Terra. Decididamente, são mais ridículos do que perigosos.

- Eles não são perigosos - assenti. - Desde que você não lhes dê a oportunidade de fazer algo estúpido. Travou as armas?

Levon fez um aceno afirmativo.

- Todas travadas. Não quero correr riscos, se esbarrarmos com algum caçador da Guilda lá dentro.

- Caçadores da Guilda não são bem-vindos em Byrd - informei. - Cuidado para não ser confundido com um.

Descemos do foguete numa superfície arenosa, sob a luz azulada de Byrd, em quarto crescente num céu negro. Clyde, a lua interna, estava oculta do outro lado do planeta. O Último Recurso era um domo metálico blindado, a parte externa de uma antiga fortificação construída ali 200 anos atrás pela Aliança, quando ainda tinham planos de incorporar o planeta como parte do Anel Defensivo Exterior. Com a mudança de planos, a base havia sido abandonada e, cerca de um século mais tarde, uma empreendedora a havia convertido num bar para espaçonautas em trânsito.

Ao entrarmos por uma das câmaras de descompressão que conduziam ao interior do salão principal do Último Recurso, deparamo-nos com a grande variedade de alienígenas ali presentes. Havia humanoides de praticamente todos os pontos da Aliança, e mais alguns, que nem mesmo eu lembrava de já haver visto antes. Circulando entre todos estes, os diminutos nativos de Byrd, que efetivamente lembravam lêmures com caudas preênseis - se lêmures usassem coletes de material sintético colorido.

- Tem certeza de que não são animais de estimação? - Ironizou Levon, enquanto nos encaminhávamos para o balcão.

- Nem de estimação, nem de circo - afirmei.

Conseguimos nos sentar em duas banquetas adjacentes e a mixologista - uma mulher morena atraente, de idade indefinida e seios volumosos quase pulando do corpete - aproximou-se de nós.

- Onde é a guerra? - Indagou sorridente para Levon.

- Eu te avisei - murmurei.

- É só por precaução - disse Levon, erguendo as mãos num gesto apaziguador.

- Espero que tenha travado as suas armas - prosseguiu a mixologista, indicando o menu luminoso de bebidas às suas costas. - O que vão querer? Vodca metil? Aqua Regia?

- Pra mim, vodca metil em suspensão criogênica - solicitou gentilmente Levon - e uma Green Bloody Mary pro meu chapa Dajuan.

E para um Byrd cinzento que estava subindo por sua perna direita:

- Ei, desce daí, macaquinho!

O Byrd o encarou com uma expressão de desagrado, menos por haver entendido as palavras do que por haver captado a intenção por trás delas. De qualquer forma, afastou-se, grunhindo algo ininteligível.

- Melhor o seu amigo respeitar os sentimentos dos Byrd - disse para mim de passagem a mixologista, antes de apertar alguns botões num console. Segundos depois, as bebidas emergiram por escaninhos embutidos no balcão.

Peguei a minha Green Bloody Mary e ia tomar o primeiro gole quando percebi que Levon estava imóvel, olhando para baixo.

Aos pés dele, estava outro Byrd, uma criaturinha de pelo fulvo e focinho comprido, vestindo um colete verde e dourado. Ele segurava com ambas as patas dianteiras um disruptor protônico pesado, apontado diretamente para o rosto de Levon. De algum modo, havia surrupiado a arma do coldre do meu amigo, sem que ele desse pela coisa.

- Não se mexa - sussurrou a mixologista.

- Está travado... - murmurou Levon, olhos arregalados. - Está travado...

- [11-10-2021]