O ABDUTOR DE ALIANÇAS 2/6
Capítulo 02 - Animal
Depois de um breve luto, apesar de triste, porém mais calmo, Tomas conseguiu descobrir o problema mecânico da lata velha e reparou até onde dava. Rodou a chave na ignição, o painel e os faróis acenderam e o carro começou a tremer em funcionamento. Sem saber por que, ele dirigia deixando a cidade turbulenta pra trás, indo na direção mais profunda do campo.
Segundo os pensamentos de Tomas, Carol poderia ter seus motivos. O casamento estava numa entediante rotina, tinha até tempo pra ela, mas nesse tempo não acontecia nada, nada muito badalado. Mesmo assim, ela podia terminar com ele antes de aprontar uma dessa não é verdade?
A primeira vez que Tomas encontrou ela, ele estava tirando onda de carrão, com um braço pra fora e de óculos escuro na beira da praia. Bonitão na fita. O carrão tinha um zunido bacana e cortava o asfalto num show de velocidade que atraia atenção de crianças, adultos, e claro, mulheres. Por sorte foi nessa breve época aventureira que conheceu Carol. Ela logo sorriu pra ele e o romance decolou.
Meses depois, ela descobriu que seu recém namorado era o falso homem do carrão, o verdadeiro era um amigo dele, que veio buscar o automóvel assim que retornou das confortáveis férias na Europa. Mas a moça estava envolvida demais pra terminar assim de repente, e Tomas aliviado por ela continuar a relação mesmo sabendo quem ele realmente era. Curtiram bem o clima florido de início, até que se casaram e mais nada aconteceu, Nada! Ambos sabiam que faltava alguma coisa. Será que o tédio foi a ponta solta pros ETs chegarem? Se era isso, por que ela não falava algo? Ele não enxergava assim, mas agora parecia ser sensato.
E o que ele vai dizer pros amigos quando souberem que sua mulher fugiu com um extraterreste na frente do seu nariz? Ta certo que nem a aeronáutica dava conta desses bichos, mas as paródias não iam perdoá-lo por isso. Ardia pensando ingenuamente numa forma de justiça. Precisava dar uma resposta, mas responder como?
Percebeu que já estava de cabeça cheia. Ligou o som do carro para tentar relaxar, mas não deu certo, por trás do chiado da rádio tocava uma música triste.
— Era só o que me faltava! — Deu um tapa forte no banco vazio onde deveria estar Carol.
Ia trocar de rádio, mas antes de seus dedos tocassem o sintonizador foi fisgado pela melodia. A música foi percorrendo suas veias enquanto seu pequeno carro solitário se aprofundava mais no imenso e gelado campo salpicado de rochas.
Um animal aqui e outro ali surgiam, paravam de pastar para observar a passagem do carro melódico e voltavam a fechar seus dentes no mato. Tomas se surpreendeu de como tinha muito mais vida do que ele imaginava naquele campão desolado. Joaninhas, borboletas, lebres, vacas, um pouco de tudo.
Um animal enorme, apaixonado pela sofrência musical, saiu do mato e inventou de acompanhar o carro. Era um boi, Tomas percebeu pelos chifres. Quando o animal estava se aproximando do veículo lento, o motorista abanou a mão e gritou para que espantasse. O boi persistiu seguindo e mugindo engajado na vibe.
— E tem mais essa! — Praguejou.
De repente saltou do matagal uma fera menor na direção do chifrudo, no caso o boi, e fechou seus dentes pontudos em volta do pescoço vegetariano. O boi mugiu novamente de olhos lacrimejados, se debateu em resistência, mas acabou cedendo a morte.
O lobo ainda em ambição, deixou a janta garantida no chão e foi em busca de mais. Acelerou suas patas em busca da presa no veículo. Tomas que não é burro, fechou o vidro, mas estava com muita raiva assim como a fera. Quando o carnívoro chegou perto rosnando, numa rápida loucura o ex-casado abriu o vidro novamente e o encarou. Estava sem paciência para um lobo metido a bravo. Os dois se olharam em chamas como inimigos mortais. Tomas mudou a rádio, um rock doido começou a tocar, então aumentou o som. O lobo deu uma tremida, mas se manteve ao desafio defendendo o orgulho. O traído esquentou os motores num rugido somado a sonzeira sem aumentar a velocidade, o adversário levantou as orelhas e correu pra mata com o rabo entre as pernas. O mato balançou segmentado pelos rastros e voltou a serena dança noturna.
Primeiro uma calma, depois uma injeção de ânimo preencheu nosso protagonista. Porem algo que viu no boi ficou na sua cabeça. Essa equação de emoções fez surgir um fogaréu danado dentro de si. Um gás que o deixou cheio de adrenalina e confiança. Um fogo que ele aprisionava, agora aliviado aprendia a manusear como uma ferramenta de guerra.
E então alguma coisa no retrovisor o despertou dos pensamentos. Ele prensou os olhos buscando entender aquilo que via, algo distante e no meio das nuvens. Dentro de si já sabia o que devia ser, seria coincidência demais. Freou o carro, respirou, tamborilou os dedos no volante, percebeu que ainda usava a maldita aliança, a arrancou do dedo, jogou no chão e voltou a atenção pro retrovisor num eterno momento. O fogo dentro de si pedia guerra. Decidido, ele abriu o porta luvas e inspecionou a pistola, ela havia quatro balas na agulha e tinha um cartucho reserva. Ele riu, cantou os pneus numa manobra radical e voltou o percurso acelerando. E a aliança, claro, ficou pra trás, no meio do barro.
O carro balançava veloz no retorno. E os animais, latiam, uivavam, mugiam, silvavam assistindo a passagem do bravo veículo até sumir deixando poeira pra trás.
A coisa no céu era tão iluminada quanto a anterior, e estava distante, indo na direção das montanhas numa velocidade cômoda. Tomas focou o novo OVNI pelo vidro da frente, só que dessa vez o caçador era ele. O carro cortou o gramado como se não houvesse amanhã. Alcançava pouco a pouco a nave, encontrou a outra estrada esburacada, se alinhou e pisou mais fundo. As luzes do invasor estavam avermelhando, Tomas esticou o pescoço até o vidro e enxergou lá na frente, as costas de uma caminhonete preta, cujo a nave vigarista parecia perseguir.
Continua...