ESTA NOITE NÓS SOMOS JOVENS
- Está linda, meu bebê! - disse minha mãe com lágrimas nos olhos. - Ah, lembro como se fosse ontem, o dia da minha formatura… Eu era tão jovem…
A pele dela era perfeita, com algumas sardas pontilhadas, nada mais. Como todos ao meu redor, minha mãe parecia ter dezessete anos de idade. Os olhos, porém, não combinavam com a pele e com o vigor de sua aparente juventude. Eram olhos tristes, cansados, pareciam ter vivido várias vidas. E de fato, viveram. Minha mãe tinha 186 anos.
No dia seguinte seria minha vez de durar pra sempre. Tendo concluído todo o programa de treinamento na academia de recrutas, iria finalmente receber o resultado dos meus testes de aptidão, minha designação e passaria pelo procedimento na Câmara Ambárica. Treinar recrutas para as colônias exteriores era um processo muito caro para se darem ao luxo de perder um bioengenheiro ou um aeronavegador para algo tão banal quanto a velhice.
Eu e meus amigos conversávamos frequentemente sobre isso. Luke era quem realmente entendia da porra toda. Falava pouco, observava muito, mas quando resolvia falar, tinha um jeito de começar baixinho, depois ficar em pé e colocar os ombros pra trás, erguer o queixo, e nesse momento ele parecia um gigante.
- Somos uma peça na engrenagem deles. Nos tiraram até o direito de falhar, nosso DNA é bioengenheirado exaustivamente à perfeição! Quando nascemos eles continuam nos direcionando, como se fôssemos marionetes. Dizem que você tem um dom, mas como saber se você seria bom em outra coisa, se não existe a possibilidade de escolha? Você não passa da porra de um autômato!
Ele falava para poucos, em grupos pequenos, pelos cantos e corredores. Não podia se dar ao luxo da comissão disciplinar descobrir. A punição para insurreição era pena capital.
Mas a mensagem dele aos poucos foi chegando a quem devia chegar.
Chegara o dia da formatura; todos de smoking e vestidos de gala. Retrô, eu sei, mas nunca recusávamos a tradição… Até aquela noite.
Não chegamos a entrar no salão do baile, nenhum de nós. Lá dentro a música tocava para ninguém. Saímos de carro pela cidade, nas grandes e antiquadas limusines alugadas, e à meia noite acionamos os detonadores. O som das explosões encheu o ar, parecia a Cavalgada das Valquírias: a escola, a prefeitura, os centros de bioengenharia ambárica, tudo indo pelos ares. A luz e o calor do fogo me fizeram sentir viva como nunca, e comecei a rir histericamente, contagiando os demais.
Então a polícia apareceu. Acendi uns molotovs e entreguei o presentinho deles. Que sensação maravilhosa, é isto que chamam de liberdade?
Em algumas quadras os filhos da puta nos pegaram, sempre pegam. Mas nós temos uma surpresinha para eles: nosso carro vai explodir em alguns segundos, e vamos levar uns porcos conosco.
Uma coisa eu sei: essa noite nós somos jovens. E meus olhos morrerão jovens!
Não como os de minha mãe.