A Irmandade das Árvores

A IRMANDADE DAS ÁRVORES
Miguel Carqueija

Sentado na acanhadíssima cabina, ajustei o mecanismo ótico e acionei a sonda-periscópio. Ainda não havia compreendido de todo o funcionamento daquele maravilhoso dispositivo de segurança, de cujo bom êxito dependia em grande parte a nossa tranquilidade. Procurei imaginar aquele esguio robô movendo-se sinuosamente pelo orifício escavado no baobá e que afastaria, no final do percurso, minúscula imitação de madeira, assim mesmo a 20 metros do solo. Na obscuridade da savana, praticamente não haveria possibilidade de alguém notar.
Durante bastante tempo nada aconteceu, exceto a movimentação do capim agitado pelo vento e a passagem de animais e plantas comuns do veldt. Então comecei a enxergar à distância, na trilha, os seres humanos.
Ou o que restava deles. Rígidos, em fila indiana, iguais nos uniformes e equipamentos com exceção do pseudo-líder — ele próprio um zumbi — marchavam estupidamente. Havia poucas mulheres, mas praticamente não se diferenciavam. A operação na glândula pineal como que lhes retirava a humanidade.
Tais batalhões de seres humanos automáticos são uma ameaça constante, mais latente que prática, aos nossos redutos e postos avançados. É difícil convencer-nos psicologicamente que eles não têm grande chance de, por si próprios, descobrirem os segredos da “Adansonia digitata L.” e outras árvores de grande porte. Mas os seus chefes nos procuram e nunca se sabe se eles terão programado seus zumbis para pesquisas específicas ou se os mesmos estarão sendo aperfeiçoados. Isso sem falar nos autômatos verdadeiros, metálicos.
Tanto uns como outros usam armas terríveis, sofisticadas. Donos de vasta porção da superfície, os líderes não-operados da “Nova Sociedade” (na verdade tão velha quanto as formigas) aparentemente nem sabem que a NOSSA civilização subterrânea é mais rica e mais adiantada que a deles. Que de nossos postos arborícolas vigiamos seus movimentos por toda a África. Não sabem dos nossos túneis, que penetram em umas poucas árvores escolhidas aqui e ali, e que — modéstia à parte — são a nova maravilha do mundo. E nem sabem que brevemente — segundo planeja o nosso grupo que ainda é humano e ainda tem Religião, Moral e Individualidade — sairemos a superfície para enfrentá-los. Quando os planos amadurecerem.
Até lá nós vigiamos e observamos.

BAOBÁ (BAOBAB), substantivo masculino. Árvore da família das Bombacáceas (Adansonia digitata L.), considerada a que apresenta o mais considerável tronco de todo o mundo, embora não seja a mais alta.
(Pequeno Dicionário Brasileiro de Língua Portuguesa, 6ª edição, 1946 – Editora Civilização Brasileira S/A)

Rio de janeiro, 5 a 9 de novembro de 1982.


(imagem pinterest)

 
Miguel Carqueija
Enviado por Miguel Carqueija em 16/06/2021
Código do texto: T7280531
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