O bom harui
Zeniam entrou na ponte de comando e parou, sem dizer palavra. Como os harui - o povo de Zeniam - tinham dificuldade em identificar humanos pelas feições, baseando-se quase sempre nos cortes de cabelo (o que era problemático, para dizer o mínimo), depreendi (corretamente), que ele estava procurando alguém, mas não queria parecer estúpido perguntando por alguém que obviamente não estava ali. Por trás do console de comunicações, ergui um braço e acenei.
- Ei, Zeniam! Capitão Chinweike, aqui!
O corpo esguio de Zeniam retesou-se. Veio em minha direção, com uma expressão em seu rosto redondo que classifiquei como de alívio.
- Capitão! Achei estranho não vê-lo em seu assento costumeiro... há um outro tripulante ali, o penteado é diferente do seu.
- É a tenente Uzoma - expliquei, dando uma piscadela para a citada, que piscou de volta. - O alferes Akuchi precisou afastar-se momentaneamente da ponte por razões fisiológicas, e assumi as comunicações até que ele retorne.
- Ah, sim - assentiu Zeniam, inclinando a cabeça e juntando as mãos em agradecimento (um gesto que lhe havíamos ensinado quando o recebemos a bordo, meses atrás). - Suponho que seu turno está perto da conclusão, já que a tenente está no comando.
- Deduziu corretamente - parabenizei-o. - Há algo que eu possa fazer por você?
O harui baixou o corpo e sussurrou:
- Estou com uma dúvida; creio ter entendido errado uma de suas crenças.
- Qual, especificamente? - Indaguei, também baixando a voz.
- Papai Noel - replicou.
- Oh. Esse - murmurei.
- Pelo que entendi, trata-se de uma criatura imaginária... algum tipo de divindade, talvez.
- Em termos muito gerais, sim - assenti. - Nossas crianças... as formas humanas jovens... acreditam que o Papai Noel realmente existe e lhes traz presentes no Natal, caso se comportem bem. Na verdade, são os pais ou parentes destas crianças quem compram os presentes.
- Sim, compreendi o raciocínio - afirmou Zeniam. - Por outro lado, é contraditório que os humanos adultos mantenham a tradição da troca de presentes neste mesmo Natal. Se o Papai Noel é imaginário, por que todos os humanos se sentem compelidos a manter a tradição em nome dele?
- Bem... como disse, é uma tradição - ponderei. - Os seres humanos fazem coisas bastante ilógicas, e esta é somente mais uma delas.
- Eu tenho uma teoria - replicou o harui em tom triunfante. - O Papai Noel é real e secretamente controla os humanos para que mantenham o seu culto. Os humanos jovens percebem isso claramente, mas perdem a percepção quando tornam-se adultos. Daí, são ensinados que o Papai Noel não existe, e o círculo se repete!
- Bem... é uma teoria inovadora - admiti.
- Eu pretendo prová-la - disse Zeniam confiantemente. - Mandei uma mensagem para ele, solicitando meu presente por bom comportamento. Afinal, se estou convivendo com humanos, devo ter os mesmos direitos que eles, não acha?
Era difícil me contrapor ao argumento.
- Parece justo. Mas tem certeza de que enviou sua mensagem para o Pólo Norte, Terra?
Zeniam deu-me sua melhor imitação de sorriso humano - a qual era horrível, a propósito.
- Ele não mora mais lá, capitão Chinweike. Fiz uma pesquisa estatística, e descobri o local mais provável onde poderia estar se escondendo...
Exibiu-me o seu comunicador portátil de tela flexível, em cuja tela via-se uma seção de um mapa estelar. E no centro do mesmo, Chinese, nosso principal centro de produção planetário fora do Sistema Solar.
- É uma suposição razoável... mas e se o Papai Noel eventualmente não lhe responder? - Indaguei, mão no queixo.
Zeniam olhou para mim com atenção.
- Tenho certeza de que ele orientará seus seguidores nesta nave a concretizar meu pedido - afirmou com convicção. - De um modo ou de outro, sua existência terá sido revelada...
Olhei para ele, embatucado. O retorno do alferes Akuchi salvou-me de prosseguir com a conversa.
- Não precisa agradecer, capitão Chinweike - disse Zeniam, antes de deixar a ponte.
Por via das dúvidas, ainda assim juntei as mãos e inclinei a cabeça em direção a ele.
- [09-06-2021]