Com a morte em meu encalço

Dobrei a rua aos tropeços correndo como se estivesse disputando as olimpíadas. A avenida estava mal iluminada e deserta. Ele vinha correndo freneticamente logo atrás. Meu coração martelava prestes a explodir. Tudo que eu ouvia era minha ofegante respiração e a de meu algoz que não estava mais tão distante. Para minha derrota.

Arrisquei uma olhadela por cima do ombro. E conseguir divisar a arma faiscando em suas mãos.

Eu dava passos em zigue zague acreditando poder dificultar o trabalho dele, caso ele cansasse daquela briga de gato e rato e resolver mirar e atirar, mas sempre avançando para frente.

Ele disse: “Hoje tu morre desgraçado”

Sentia todo meu corpo quente e latejante enquanto corria, mas ao ouvir àquela sentença uma pedra enorme de gelo brotou em meu estômago. Senti que a vida era como um pequenino globo de cristal escorregadio que estava prestes a escapar de minhas mãos. E iria.

Dobrei à esquerda para uma área residencial mais bem iluminada. Já estava prestes a ter um infarto, mas nosso instinto de sobrevivência toma o controle e não nos deixa parar. A grande rua era ladeada de bonitas casas e algumas delas ainda tinham luzes em suas janelas mesmo àquela hora da noite.

Sentindo que o abraço da morte não tardaria a tocar meu ombro reunir forças e num berro estrangulado supliquei quase orando: “Socorro!” “Socorro!”

Enquanto gritava eu olhava desvairadamente para ambos os lados. Notei que mais algumas luzes se acenderam depois disso, mas ninguém veio em meu auxílio. Mas convenhamos, normalmente é o que ocorre. Quase sempre.

Escutei um riso escarnecedor no meu cangote. Era de meu algoz. Ele estava debochando da minha tentativa pífia de salvar-se.

“você está sozinho” disse ele sardonicamente

Acredito que ele também já estava farto daquilo e ouvir, notei, quando suas passadas aumentarem em intensidade. O patife estava correndo com mais vigor.

Desesperado e quase entorpecido tive a brilhante ideia de olhar para trás para ver a vantagem que eu ainda possuia. Ele estava a menos de cinco metros àquela altura. Acredito.

Só que conferir o espaço entre nós teve um custo. Tropecei em um buraco no calçamento e me esborrachei de cara no chão.

De imediato girei meu corpo e me posicionei de frente. Não houve tempo de levantar-se. Ele saltou em cima de mim como um leão em uma zebra ferida, seus olhos eram olhos de loucura. Sentando-se em minha barriga ele desferiu um murro que atingiu parte do nariz e a boca.

Com o impacto do murro bati a parte de trás da cabeça com força no cimento. Nessa hora minha visão se transformou em um borrão.

A minha boca converteu-se em um mar de sangue. Cuspir uns pedacinhos de dentes, sentir. Todos os ossos e articulações gritavam. Languidamente tentei erguer um pouco o pescoço. Meu algoz, agora, era apenas um garrancho em minha frente. Empoleirado em meu abdômen.

Notei um vão branco em sua face. Eram dentes alinhados. Ele estava rindo. Excitado com tudo aquilo. Eu não conseguia enxergar quase nada. Mas percebi quando a mão dele desceu e depois subiu com um garrancho que reluzia metalicamente. Misericórdia, só podia se ela. E era ela. A arma.

Aquele objeto metálico foi posicionado na direção de meu nariz e após um estampido colossal. Tudo ficou preto.

E depois tudo ganhou cor novamente. O mundo se abriu aos meus olhos. Eu estava deitado e todo encharcado de suor. Com minhas vestes e os lençóis grudados em minha pele. Notei que aquele quarto me era familiar. Era meu quarto. Óbvio.

Que patético. Havia sido apenas um pesadelo.

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Há muitas pessoas que possuem sonhos lúcidos. Há também aquelas que apesar de não terem o sonho lúcido propriamente dito possuem noção que aquilo que estão vivenciando não é real. De alguma forma elas sabem.

Mas um bocado de gente tem sonhos e pesadelos, clássicos, iguais ao descrito acima. Neles, o indivíduo acredita que todo o horror ou prazer que está vivenciando é real. Aquela é a única vida e precisa ser preservada ou desfrutada. Não há outra opção. É mover-se ou morrer.

E isso não deixa de ser engraçado pois, no caso dos pesadelos, lutamos para salvar algo que não está em perigo. Não é verdade? (Risos).

Vivenciamos, mesmo que em fração de segundos/minutos, algo que somos levados a crer que é real, mas logo descobrimos, com grande alívio, que não é. Depois de um pesadelo horrível saltamos no que chamamos de mundo real. No modo de vigília.

E quem pode garantir que o que classificamos como mundo real, o modo de vigília, não é apenas um sonho/pesadelo mais refinado do qual somente despertaremos quando esse corpo morrer? Já parou para pensar nisso? (Risos).

Leonardo Castro
Enviado por Leonardo Castro em 06/06/2021
Reeditado em 06/11/2021
Código do texto: T7272717
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