Orbital
Depois de alguns dias de caminhada naquele tórrido deserto vermelho, finalmente avistei uma vila. Sinceramente, pensei que dessa vez não encontraria água e oxigênio. À cada passo que dava em direção àquele lugar, minha visão ia ficando mais clara, e os portões mais imponentes. Não era difícil para um andarilho comum entrar numa das vilas empoeiradas dessas planícies, mas algumas regras precisavam ser respeitadas. Ao chegar no portão, um guarda com expressão pouco amigável confiscou minhas armas e perguntou o que eu queria. Expliquei para ele que gostaria apenas de recarregar meu cilindro de oxigênio e alguns instrumentos de navegação e encher meu camelback com água antes de seguir meu caminho. Fui liberado.
Caminhei pelas vielas do local. As pessoas carregavam em seus rostos as marcas das suas perdas, pois aquele lugar tinha sido atacado havia alguns anos e nunca mais se recuperou totalmente. Mas eram um povo forte. Verdadeiros sobreviventes. Depois de conseguir tudo o que eu precisava para seguir meu caminho, eu me dirigia à saída quando meus passos foram interrompidos bruscamente por um senhor e um rapaz, que cruzaram meu caminho com muita pressa. Achei que estava acontecendo algo e resolvi segui-los para conferir.
Os homens caminharam até um dos extremos da cidadela, onde havia containers vazios empilhados, que formavam uma espécie de montanha de metal. Eles começaram a escalar aquela montanha, nível a nível, até o topo e lá chegando, apenas olhavam para cima. Era final de tarde, o sol estava dourando a silhueta da muralha do local. Me aproximei e perguntei se eles poderiam me contar o que estavam fazendo, então o senhor de uns setenta e cinco anos, começou a me explicar:
- Este rapaz é meu filho. O que sobreviveu. Ele ficou mudo depois do ataque dos invasores do “Quadrante 762”. Todos os anos voltamos aqui nessa época e nesse ponto mais alto da vila para avistarmos o irmão dele, que servia na Frota Terra-Marciana.
Até então, não compreendi o que aquele senhor estava me dizendo, então ele concluiu:
- O meu filho mais velho era piloto de um dos cruzadores da Frota e morreu em combate. O seu corpo foi ejetado no vácuo e entrou em órbita a uma altitude que torna possível vê-lo daqui com essa pequena luneta. Avistá-lo todos os anos foi a forma que encontramos de amenizar a dor de perde-lo.
Quando o velho terminava de me explicar, o seu filho ficou agitado e o agarrou pelo casaco, entregando-lhe a luneta. Depois que eles o avistaram o velho homem pediu para eu dar uma olhada e lá estava o corpo do piloto, flutuando intacto, brilhando à luz dourada dos últimos raios de sol do dia. Admirei muito a atitude daqueles homens, que prestavam sua homenagem todos os anos, assistindo o seu ente passar inerte, mas brilhando ao sol, como se ainda tivesse vida e lamentei sua perda. Aquela visão me fez refletir se a terraformação e colonização de Marte realmente foi algo positivo para a humanidade, já que, independentemente do planeta que vivemos, somos frágeis e que o conflito é algo inerente às pessoas.