Anã Marrom

Na periferia de um sistema estelar, mais um dentre tantos do vasto Universo, uma Anã Marrom gravita.

De pálido brilho, majoritariamente composto pela reflexão da luz emanada pela estrela que orbita, a Anã Marrom passa quase despercebida entre os demais corpos celestes daquele sistema. Maior que um planeta gasoso e menor que uma estrela, não possui massa suficiente para que, ela mesma, se torne uma estrela. Sendo só mais um curioso objeto formado pelas impressionantes forças do Cosmos, é praticamente invisível aos olhos humanos, mais afeitos ao brilho das galáxias, à formosura das nebulosas e à força dos buracos negros.

Perdida e ignorada, a Anã Marrom circula apressada na ciranda cósmica pelas eras longínquas, indo de algum lugar para lugar algum.

No jogo da gravidade, ela tem suas cartas; mas invariavelmente subordinadas às mais fortes. Teve sua chance: quando das primevas nuvens, acumulou uma quantidade de matéria maior que as suas vizinhas, que vieram a se tornar planetas gasosos e rochosos; planetas-anões, satélites, asteroides, cometas e meteoroides. Porém, como se encontrava fora do centro da formação nebular, perdeu a primazia da maior parte da matéria para a estrela a qual passou a orbitar há bilhões de anos.

Fracassou. Seu destino agora está intrinsecamente ligado ao do sistema no qual apenas figura, sem protagonismo.

***

Conforme as eras se passam, o Universo se dilata e o céu noturno se transforma, o combustível atômico que sustenta o fraco brilho autóctone da Anã Marrom decai, apagando-a mais e mais. Em sentido inverso, a estrela que ela orbita vai entrando na maturidade e começa o paulatino crescimento rumo a transformar-se numa gigante vermelha.

O futuro da Anã Marrom parece ruim. Com a dilatação do seu astro-rei, será invariavelmente engolida pelo monstro furioso que ele irá se tornar. Mais alguns poucos milhões de anos e ela desaparecerá sem deixar registro de sua efêmera história a qualquer testemunha humana.

Uma pena.

***

Porém, o Cosmos guarda muitas surpresas. Semelhante a uma mesa de bilhar, onde o trânsito aleatório das bolas as levam aos buracos, às bordas da mesa e a bater umas nas outras, o céu noturno é cheio de movimento; e mudanças quase imperceptíveis aos fugazes olhos humanos acontecem.

Um planeta gasoso, com massa superior à do nosso velho conhecido Júpiter, viaja errante pelo meio interestelar até os arrabaldes daquele perdido sistema estelar onde habita a Anã Marrom. Passando incólume pelos fracos campos gravitacionais dos planetas dali, desarranja a órbita de vários, lançando-os a trajetórias esdrúxulas ou mesmo expulsando-os do sistema.

Todavia, em sua trilha cosmicida, encontrou um corpo celeste de peso que seria o maior desafio à sua existência: a Anã Marrom.

Capturando o visitante indesejado pela gravidade superior à dos vizinhos planetas, a Anã Marrom inicia com ele um carrossel mortal donde ambos não sairiam como entraram. Conforme a proximidade entre ambos aumenta, formando um sistema binário casual, o giro torna-se alucinante.

Até que chega ao fim.

O impacto entre os dois objetos é colossal. Chacoalhando a vizinhança, os dois astros se fundem num só, com a preponderância da Anã Marrom.

Ela vence a batalha!

Com o acréscimo de tamanha massa, finalmente a Anã acende seus fornos de fusão nuclear e emite os primeiros raios de luz, iluminando os arredores e surgindo como o mais novo ponto luminoso do nosso céu noturno, atraindo para ela os olhares curiosos dos seres humanos e suas máquinas de observação, rendendo-lhes páginas e mais páginas de estudos astronômicos.

***

Por fim, o que aconteceu à Anã Marrom?

Finalmente elevada ao status de estrela, ganhou massa e gravidade, galgando degraus no tabuleiro cósmico. De quebra, com o impacto, alterou sua rota, afastando-se do sistema estelar em vias de sucumbência pela gigante vermelha. Levando consigo alguns planetas e planetoides, agora forma seu próprio sistema estelar, batizado e reconhecido pela raça de bichos sabidos que a contempla e estuda almejando, um dia, a alcançar.

Eudes de Pádua Colodino
Enviado por Eudes de Pádua Colodino em 26/05/2021
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