O fiel da balança
O sistema binário Nionthyn, composto por duas estrelas classe K, distava mais de 1000 anos-luz de Komara, e dir-se-ia tratar-se de uma versão simplificada do mesmo. Não somente pelo número de sóis que o constituíam, mas também por ter um planeta terrestroide instalado em seu centro de gravidade: um mundo verdejante, batizado de Badamuth pelos zo'orgh. Da mesma forma que Ashmuth, não guardava sinais de que um dia houvesse sido a sede de alguma civilização tecnologicamente avançada; exceto por uma imensa pirâmide hexagonal construída com blocos de granito, num deserto gelado do continente setentrional.
- Não me pergunte como, mas durante o curto período que passei em Ashmuth, - explicou Henrik Lindeman para seu co-piloto Jonas Nilsson, enquanto entravam em órbita de Badamuth - algo gravou as coordenadas deste planeta no computador de navegação do módulo auxiliar.
- O Kladath? - Indagou Nilsson.
- Ou algo sob ele, que registra o pouso de veículos alienígenas e lhes fornece indicações do caminho a seguir; Badamuth, neste caso - replicou Lindeman, fazendo um gesto para a superfície parcialmente coberta por florestas impenetráveis.
- Isto não me parece ser o centro de comando de uma máquina - duvidou Nilsson. - Pelo menos, não de uma que esteja em funcionamento.
- Para tirar essa dúvida, preciso ir até o local preciso indicado pelas coordenadas na superfície do planeta: a pirâmide de pedra - redarguiu Lindeman.
- A qual sequer é citada pelos zo'orgh - ponderou Nilsson, levando a mão ao queixo. - Não acha isso suspeito?
- Talvez apenas não tenham sido julgados merecedores de receber qualquer conhecimento que este lugar preserva - afirmou confiantemente o comandante do cruzador "Sommarfagel". - Estou certo de que isso está prestes a mudar.
- Antes que parta em busca desse moinho de vento, - sugeriu o co-piloto - já considerou a hipótese de que esses alienígenas misteriosos poderiam apenas estar direcionando viajantes para um tour pela Galáxia, visitando suas obras de astroengenharia? E se ao chegar à pirâmide, você for encaminhado para outro sistema distante... e outro... e outro?
Lindeman balançou a cabeça, negativamente.
- Você acredita que uma espécie inteligente se daria ao trabalho de montar um roteiro turístico? Qual o sentido disso?
Nilsson deu de ombros.
- Poderia não ter sentido para nós, mas para eles poderia ter vários... religiosos, inclusive. E se fosse uma peregrinação, como a que faziam à Meca, na Terra?
Lindeman ergueu os sobrolhos.
- Só há uma maneira de provar que você está errado - declarou. - Indo lá.
E saiu da cabine de pilotagem, preparar o módulo auxiliar para descer ao planeta.
* * *
Desta vez, ao descer do módulo, fechou a jaqueta que vestia. Badamuth tampouco conhecia a noite, pois cada um dos seus hemisférios era permanentemente iluminado por um dos dois sóis, mas a localização da pirâmide, dentro do equivalente ao círculo polar ártico e sobre um planalto árido, varrido pelos ventos, deixava o clima ali bem mais frio do que no Kladath.
Lindeman afastou-se do transporte, caminhando em direção à pirâmide hexagonal. Ela era maior do que a Grande Pirâmide da Terra, e media cerca de 200 m de altura. Suas faces de granito eram originalmente polidas, embora após incontáveis milhões de anos de exposição aos elementos, ostentassem agora manchas e rachaduras. O vértice da construção brilhava num tom metálico, e provavelmente havia sido revestido com ouro.
Circundou a base da pirâmide e não viu nenhuma entrada, ou inscrição. Estava retornando ao ponto inicial, onde deixara o módulo auxiliar, quando avistou uma figura humanoide parada ao lado do mesmo; era prateada, e ele a identificou como um robô, provavelmente, o guardião da pirâmide. Lindeman ergueu o braço direito, em saudação.
- Olá!
O robô imitou seu gesto.
- Aguardava a sua chegada - respondeu em intercosmo.
- Então, passei no teste? - Indagou Lindeman, ansioso.
- Teste? - Retrucou o robô. - Não há nenhum teste; este local é um repositório. Nós coletamos espécies alienígenas com capacidade de navegação espacial, para estudos.
Lindeman engoliu em seco. O robô estava entre ele e o módulo.
- Então, o pulso de energia do Kladath...
- Um sistema de resposta automático, para direcioná-lo para cá - informou o robô.
Lindeman sacou o projetor térmico, mas para seu horror, a arma estava descarregada. E, no instante seguinte, o módulo auxiliar ligou os motores e começou a subir - sem ele.
- Você realmente se julgava tão inteligente assim? - Indagou o robô, avançando em direção a ele.
* * *
Jonas Nilsson aguardou até que o hangar do módulo auxiliar estivesse pressurizado e entrou no mesmo. O contato com Lindeman havia sido perdido pouco depois do pouso, e agora o transporte retornara vazio; todavia, uma lâmpada piscando no console de comunicação alertava que uma mensagem havia sido gravada. Ele apertou o botão de reprodução e viu-se diante do rosto sorridente de Lindeman na pequena tela do equipamento.
- Olá, Nilsson! Decidi permanecer com os meus anfitriões, para aprender mais sobre a cultura deles! Quando eu resolver partir, eles me darão uma carona até o planeta zo'orgh mais próximo! Assuma o comando, você fez por merecer!
Aquilo parecia bem típido de Lindeman, avaliou o co-piloto. Saiu do hangar e voltou à cabine de comando, onde parou por um instante atrás das duas poltronas de pilotagem. Após um breve momento de hesitação, sentou-se na poltrona da esquerda.
Afinal, agora ele era o comandante.
- [25-03-2021]