Os Contadores de Histórias

Quando a notícia chegou à Terra, mais de um ano depois do primeiro contato com os navarozhi, trazida por um cargueiro que deixara suprimentos em Thasila-III, já não havia mais nada que a União pudesse fazer.

- Como assim? Fomos "incorporados" por estes navarozhi? - Questionou o presidente da União Planetária, ao receber a surpreendente notícia trazida por um oficial de gabinete. - Com autorização de quem?!

- Senhor presidente, pelo que pudemos entender do relatório confidencial de Falco Spitzer, comandante do posto avançado de Thasila-III, não se trata realmente de uma opção: os navarozhi consideram que todo o Universo lhes pertence, e quem não for um deles, é automaticamente incorporado às suas fileiras. No nosso caso, no nível de "postulante".

- Sem a anuência do governo central? - Retrucou irritado o presidente. - Não demos ao comandante Spitzer poderes para falar em nome da humanidade!

- Os navarozhi alegam que basta anexarem uma única colônia extrassolar, para que considerem toda a cultura de origem incorporada. Foi o caso de Thasila-III, e o capitão Spitzer não estava em condições de contestar a imposição dos visitantes, já que tinha que zelar pela integridade de centenas de civis. Ademais, a ele pareceu que teríamos a ganhar nos associando como postulantes aos navarozhi.

- Você quer dizer, reconhecendo a autoridade deles sobre nós - corrigiu o presidente com azedume.

- Não, senhor presidente - replicou o oficial. - Ao sermos oficialmente reconhecidos como postulantes pelos navarozhi, nós nos tornamos navarozhi; não importa qual seja a nossa origem biológica. Cada espécie inteligente recebe um número de identificação, com base no seu DNA, e essa é a única diferença existente, para fins de classificação e adequação de ambientes de convivência.

- Mas essa incorporação, suponho, deve exigir direitos e deveres - ponderou o presidente. - Quais seriam uns e outros, Spitzer chegou a detalhar?

- O desenvolvimento tecnológico médio dos navarozhi está acima do nosso, pelo que ele pôde avaliar; portanto, não têm interesse em nossos planetas, efetivo militar ou capacidade industrial. Tampouco estaremos sujeitos à orientação de um governo central, religião unificada, leis ou tratados. Na maior parte, seremos deixados em paz e assim trataremos outros navarozhi; mas se desejarmos utilizar algo que a coletividade tenha desenvolvido, aí sim, teremos que oferecer algo em troca para merecermos o status de "plenos".

- E o que Spitzer acha que poderá lhes interessar? - Inquiriu cético o presidente.

- A única coisa que lhe ocorreu sugerir foi a nossa cultura; somos bons em criar narrativas, e os navarozhi parecem ter certa deficiência nesse campo.

- Tenho um certo receio aonde essa criação de narrativas poderá nos conduzir - admitiu o presidente. - Mas podemos ficar tranquilos, se continuarmos tocando os assuntos da União da forma costumeira...

Isso funcionou bem durante os primeiros dez anos após o primeiro contato; mas um dia, a União concluiu que seria extremamente útil se pudesse ter acesso às comunicações mais rápidas do que a luz utilizadas pelos navarozhi...

- [16-03-2021]