Dores da vida
Ela fez o melhor que pôde para ajudá-lo, o que nas atuais circunstâncias, não era muito.
- Dói? - Indagou.
- Considerando que eu não sou um ser vivo, felizmente não - redarguiu ele, tentando erguer a cabeça e deixando-a pender novamente no solo.
- Mas você foi projetado com a aparência de um de nós, - ela observou - o que provoca em mim uma reação de empatia. Ademais, é uma criatura senciente e inteligente.
- Eu compreendo - afirmou ele. - Mas os danos que minha estrutura sofreu ao nos ejetarmos da nave, comprometeram boa parte dos meus sistemas motores. Ainda posso me mover do tronco para cima, com alguma dificuldade, mas minhas pernas não respondem.
- E se deixássemos suas pernas aqui e eu levasse apenas a parte do seu corpo acima da cintura? - Sugeriu ela.
- Isso reduziria o peso, mas como iria me transportar? - Questionou ele. - O posto avançado mais próximo fica a cerca de 20 km, além da floresta e da geleira. Talvez fosse melhor simplesmente me deixar aqui e ir em busca de ajuda.
- Você salvou a minha vida - lembrou ela. - E não acredito que no estágio atual dos combates neste sistema planetário, alguém virá nos resgatar. Estamos por nossa própria conta.
Ele não a contradisse, pois o que ela havia dito soava perfeitamente lógico.
- Teremos mais chances de sobreviver se conseguirmos chegar ao posto avançado - insistiu ela. - Juntos.
Ele avaliou que embora não pudesse caminhar, seus sensores remotos e visão infravermelha seriam extremamente úteis na travessia da floresta à noite. Desde que ela pudesse carregá-lo, claro.
- Bem, me coloque sentado, por favor. Creio que eu mesmo posso desconectar o que me restou das pernas...
Ela o arrastou e colocou sentado contra o tronco de uma árvore, e enquanto ele usava o kit de ferramentas que trazia a tiracolo para amputar a si mesmo, ela foi atrás de galhos para montar uma padiola. Finalmente, conseguiu construir o dispositivo e o amarrou ao mesmo, de costas para ela.
- Vamos logo - decidiu ela. - Não adianta esperar pelo dia, pois se o inimigo mandar uma patrulha atrás de sobreviventes, é melhor que já estejamos distantes.
Era mais fácil falar do que fazer, descobriu, após apoiar as hastes da padiola nos ombros e começar a adentrar a floresta. Em poucos minutos, seus ombros começaram a se ressentir do peso.
- Dói? - Indagou ele, sentindo-se inútil.
- Vida é dor - replicou ela cerrando os dentes. - Eu vou sobreviver, não se preocupe.
E apertou o passo, tentando concentrar-se na tarefa e não na distância que ainda teria que percorrer.
- [11-03-2021]