Adoção
- Ele já sabe do bebê? - Indagou Lilian.
Vera e Adelina entreolharam-se, constrangidas.
- Não tivemos coragem de contar - admitiu por fim Adelina. - Ademais, Karl não vai ficar conosco.
- Ele vai usar a edícula, onde o caseiro morava - acrescentou Vera.
- Isso é no sítio... - ponderou Lilian. - Então, ele não quer vir pra cidade?
- Disse que se acostumou a morar no mato, e ademais está de passagem - redarguiu Vera.
- Bem, certo... mas vai acabar descobrindo que estão com uma criança em casa. A cidade é pequena, mas todos aqui já sabem.
- Nós vamos contar, mas a notícia tem que ser dada com cuidado; afinal, ele é nosso irmão - Adelina parecia mais preocupada do que Vera.
- Certamente... vamos ver como Karl vai reagir - replicou Lilian.
* * *
Lilian viu Karl parar o jipe, usado no sítio, em frente à única padaria/lanchonete da cidade. Não o via há mais de dois anos, e o rapaz parecia mais magro e mais bronzeado; o sorriso, contudo, continuava o mesmo.
- Lilian! Quanto tempo!
- É você mesmo?
Abraçaram-se.
- Eu ia tomar um café na padaria, me acompanha? - Indagou ele.
Entraram juntos. A manhã ia pelo meio e não havia muitos clientes no estabelecimento. Sentaram-se numa mesa próxima a uma das janelas que davam para a rua e a garçonete levou o cardápio até eles.
- E então, como foi a sua experiência nos Planetas Exteriores? - Indagou Lilian, após fazerem o pedido.
- Indescritível - afirmou o rapaz. - Claro, temos toda uma expectativa pelo que vemos na TV e em vídeos, mas nada substitui a experiência real, de estar lá.
- Imagino que isso tenha a ver com a sua decisão de ir morar no sítio - especulou Lilian.
Karl balançou afirmativamente a cabeça, enquanto mexia o café com uma colherinha.
- Não há cidades lá, e não há previsão de que sejam construídas - explicou o rapaz. - Mesmo uma cidade pequena como a nossa, parece terrivelmente apinhada para mim, agora.
- Você passou todo esse tempo morando com uma tribo de coletores, não é? - Indagou Lilian. - Suas irmãs me mandavam vídeos seus, de vez em quando...
- São coletores, mas também caçam - entusiasmou-se Karl. - Mesmo com armas e ferramentas primitivas, conseguem abater animais bem grandes. Nos dá uma ideia de como viviam nossos ancestrais, milênios atrás.
- Mas eles não são da nossa espécie, Karl - lembrou Lilian.
- Não são da nossa espécie, mas são humanos - redarguiu Karl, muito sério.
* * *
Quando Lilian encontrou novamente as irmãs de Karl, ele já havia retornado à sua missão antropológica nos Planetas Exteriores. As moças pareciam tristes.
- Imagino que tenham contado - sondou Lilian.
- Sim. E ele ficou arrasado - admitiu Vera.
- Imaginei que isso poderia acontecer, pela conversa que tivemos na padaria - afirmou Lilian.
- Karl viu o bebê? - Indagou Lilian.
- Viu. E quis saber como ele havia vindo parar aqui - explicou Adelina. - Nós contamos... há um programa que traz órfãos para a Terra, e nós decidimos adotar um. Você sabe, essa criança terá mais possibilidades de sobreviver aqui.
- Mas Karl preferia que o bebê tivesse sido adotado por alguma tribo do próprio planeta - admitiu Vera. - Mesmo que nós explicássemos que tomamos a decisão em grande parte pela admiração que temos pelo trabalho dele, não pareceu muito conformado.
- Deve ter achado que estavam traindo os princípios pelos quais ele se orienta - avaliou Lilian.
- Nossa intenção foi a melhor possível - afirmou Adelina.
As três mulheres ficaram em silêncio por alguns momentos, até que Lilian dissesse:
- Mais de 40 mil anos depois que os neandertais foram extintos na Terra, alguns deles estão voltando ao planeta de onde seus ancestrais foram levados; e absolutamente nada mudou no modo de vida deles, durante todo esse tempo. E se simplesmente não se adaptarem ao nosso modo de vida?
Vera e Adelina pareceram refletir sobre o que haviam acabado de ouvir. Finalmente, Vera respondeu:
- Parece que agora teremos a oportunidade de descobrir isso em primeira mão.
- [02-03-2021]