O Republicano
Rafael Tasis saiu correndo da oficina, ao ouvir os gritos das crianças no lado de fora. Não pareciam atemorizadas ou em perigo, mas profundamente surpresas com algo.
- Papai, olhe! - Juliana, a filha mais velha, apontava para o céu azul da tarde sobre suas cabeças.
Rafael olhou e identificou a causa do alarido. Era algum tipo de foguete, preparando-se para pousar no prado próximo ao rio sobre sua cauda de chamas e fumaça. Os símbolos pintados no casco branco lhe eram desconhecidos, mas pela primeira vez em muitos anos, ele sentiu uma ponta de esperança subir-lhe ao peito.
- Para dentro, crianças! - Comandou. - O pai precisa ver o que é aquilo!
O pequeno Julio, seu filho caçula, puxou-lhe pela perna da calça.
- Pai, posso ir com o senhor?
- Agora não, Julio! Pode ser perigoso - alertou. E para Juliana:
- Leve seus irmãos para dentro e diga a sua mãe que tranque as portas... eu volto logo!
A menina seguiu à risca as ordens do pai, enquanto ele apanhava a velha sacola de lona dentro da oficina e corria para o rio. Pelo caminho, passou por alguns vizinhos, os quais pareciam verdadeiramente aterrorizados pelo que haviam acabado de ver; não teria companhia em sua incursão ao local do pouso, pelo visto. Melhor assim, avaliou.
- Onde você vai, Tarsis? - Indagou Gerardo Tafalla, que subia o caminho que ia dar no rio, conduzindo uma de suas mulas. - Aquela coisa está lá, soltando fogo como um dragão!
- Preciso ver de perto! - Exclamou Rafael, sem diminuir o passo.
Finalmente, viu-se frente a frente com o foguete: estava pousado do outro lado do rio, cerca de 50 metros de distância, no meio do prado. Os motores haviam criado um círculo negro sobre a relva verde, e uma escotilha havia sido aberta no meio da estrutura, uma escada metálica descendo vagarosamente até o solo.
Rafael aguardou até que o primeiro visitante emergisse de dentro do veículo, usando um traje justo e prateado, e então acenou, furiosamente.
- Ei! Aqui!
* * *
Virginia Escribano viu-se frente a frente com o nativo, queimado de sol e usando roupas rústicas; ele trazia uma sacola de lona a tiracolo, que parecia cheia. Christian e Édgar, seus companheiros naquele grupo de desembarque, encaravam o homem com suspeição, mãos nas coronhas das armas que traziam na cintura.
- Você compreende o que eu digo? - Indagou ela.
- Sim! - Acedeu o nativo, com orgulho. - Bem-vindos à Espinar-IV!
- Espinar-IV... - repetiu Virginia, admirada. - Não só o planeta tem nome, mas ele sabe até mesmo a posição dele em relação ao sol que orbita!
- Imaginávamos que nem houvessem redescoberto a teoria heliocêntrica - admitiu Christian.
- E não redescobriram - assentiu o nativo. - Eu a conheço, porque não sou daqui.
Os visitantes se entreolharam. Os dois homens apertaram as coronhas das armas, parecendo dispostos a usá-las se o nativo dissesse algo comprometedor.
- Como você se chama? E de onde veio? - Questionou Virginia, semicerrando os olhos.
- Meu nome é Rafael Tarsis, e eu sou deste planeta mesmo... mas de uma outra época.
- Um viajante do tempo? - Questionou Virginia.
- Sou um inventor - declarou Rafael. - Criei uma máquina do tempo e planejei voltar cerca de 300 anos para acompanhar o processo de formação desta colônia, mas algo deu errado...
- Você voltou para muito antes do que pretendia - ponderou Édgar, aparentemente mais relaxado com o que acabara de ouvir.
- Não. Na verdade, voltei precisamente 300 anos - redarguiu Rafael. - O problema é que parece haver uma barreira natural às viagens dentro de uma mesma linha temporal... descobri que vim parar num universo paralelo, onde a colonização de Espinar-IV regrediu a um nível tecnológico pré-eletricidade. E, infelizmente, eu preciso de eletricidade para poder carregar as baterias da minha máquina. Como não tinha perspectivas de sair daqui, acabei constituindo família enquanto tentava construir um gerador movido a água...
- Que história louca! - Exclamou Virginia. - Mas se o que diz é verdade, poderíamos arranjar um lugar para um indivíduo como você na nossa sociedade; a Real União Interplanetária certamente gostaria de conhecer os detalhes do seu invento.
- Real União Interplanetária? - Indagou Rafael.
- É o nome da nossa organização - explicou Virginia. - Estamos numa fase de reorganização, depois de uma guerra que durou séculos contra os rebeldes republicanos; planetas como Espinar-IV acabaram revertendo à barbárie, como percebeu.
- Bem, eu poderia lhes fazer uma demonstração - admitiu Rafael. - Desde que me permitam recarregar as baterias...
E chacoalhou a sacola de lona, cujo conteúdo tilintou.
* * *
- Não sei, não gostei nada desses visitantes - disse Rafael para a mulher, Manuela, à mesa de jantar. As crianças acompanhavam a conversa atentamente, mas sem se intrometer.
- Mas eles lhe deixaram usar a tal eletricidade - ponderou a mulher. - Talvez não sejam gente má.
- Me deixaram usar porque querem a minha máquina - Rafael esfregou uma fatia de pão de centeio no molho de carne da panela que estava sobre a mesa. - E também porque sabem que não vou abandonar você e as crianças aqui.
- Ainda bem - sorriu a mulher. - Mas como vai resolver essa situação?
- Vou precisar fazer uma pequena viagem ao futuro desse planeta e trazer algumas coisas que não existem aqui; agora que as baterias estão recarregadas, vai ser fácil.
- E depois? - Indagou Manuela.
- E depois que eu voltar, nós vamos embora daqui.
- Para onde? - Questionou a mulher.
- Onde não, quando - corrigiu Rafael, comendo um pedaço do pão.
* * *
Na manhã seguinte, quando os visitantes foram até o povoado atrás de Rafael Tarsis, descobriram que ele havia fugido, levando toda a família. Especularam que ele poderia ter ido para o futuro, mas na verdade Rafael havia voltado ainda mais para o passado, para o tempo em que as primeiras famílias de imigrantes haviam começado a povoação de Espinar-IV - em outra realidade paralela.
E Rafael Tarsis lhes dizia que, acima de tudo, era preciso evitar que as ideias monarquistas voltassem à ordem do dia.
- Se não tomarmos cuidado, em duzentos ou trezentos anos, poderemos ter um rei nos dizendo o que fazer - alertou o inventor.
E tantos quantos o ouviam, diziam ser aquilo inadmissível.
- [24-02-2021]