FELICIDADE
 
Em Colônia Ganimedes nada é supérfluo. Sua população de 75985 pessoas, peças perfeitas em uma engrenagem, deve prover constante fluxo de minério para o Sistema Terra Ampliada.
 
VOCÊ TEM QUE SER FELIZ EM SER ÚTIL! – o comunicador informava toda manhã na cápsula de repouso, à guisa de despertador.
 
SUAS HABILIDADES SERVEM A UM BEM MAIOR! – os letreiros de led informavam nos corredores do dormitório coletivo.
 
SOMOS UM SÓ. PARTES DE UM SISTEMA HARMÔNICO E PERFEITO.
 
Mas Engenheiro 281 não estava feliz, de modo algum. Acordar, pegar o protocolo do dia, executar o protocolo do dia, retornar, ir para sua cápsula, o espaço que lhe cabia naquele sistema. Cada dia era mais repetitivo e cada rosto estampando sorrisos eram na verdade máscaras, ele sabia. Os sorrisos, eles não chegavam aos olhos. Havia como uma fronteira imiscível entre olhos extremamente cansados e sorrisos extremamente brilhantes.
 
Tomou coragem: um dia, em uma missão de manutenção de domo, se afastou um pouco mais do grupo. Olhou pela ultima vez Júpiter naquele céu escuro, pintando tudo com sua luz alaranjada. Desacoplou o capacete de respiração e isolamento térmico e deixou que o frio do espaço lhe tomasse a vida.
 
Frio.
 
Escuridão.
 
Luz e bipes.
 
No instante seguinte, ouviu:
 
“DONWLOAD COMPLETO. BEM VINDO DE VOLTA ENGENHEIRO 281. VOCÊ TEM QUE SER FELIZ EM SER ÚTIL”
 
Olhou para o espelho e viu que já não era mais um grisalho homem branco com profundas olheiras, mas sim um moreno homem jovem, pleno de vigor. Olhou no espelho, tentou sorrir. Mas o sorriso não subia até os olhos. Ele não era mais ele, mas ainda estava lá, eternamente útil... Feliz em ser útil.

 
Dara Pinheiro
Enviado por Dara Pinheiro em 21/02/2021
Reeditado em 21/02/2021
Código do texto: T7190037
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