O ARTEFATO

Drake Deimon abriu os olhos ainda sonolento. Levantou-se e acendeu uma vela. Com a iluminação bruxuleante pode ver na austera barraca de campanha onde estava sua roupa. Preferiu uma túnica simples, mas nunca deixava seu cinturão de couro com duas bainhas. A direita a espada longa ricamente trabalhada em aço e à esquerda o punhal também de aço trabalhado, de 12 polegadas. Terminou por amarrar a sandália com fios entrelaçado até o tornozelo. Saiu ainda no escuro. Uma leve luz iniciava no leste mostrando o vale abaixo e a pequena vila. O acampamento estava totalmente em silêncio, todos soldados haviam sido dispensados e deviam estar bêbados nos prostíbulos ou tabernas da pequena vila.

- Bom dia gal Drake.

Ao longe e com a pouca luminosidade, mal avistava a figura do arqueólogo Ilan Korel.

- Achei que tinha descido com os soldados, Ilan.

- Não, tenho muito trabalho hoje. Já vou descer para os túneis.

- Sem ninguém aqui, gostaria de acompanha-lo e ver como andam as escavações.

- Será um prazer gal.

Apesar da aparente cordialidade, Ilan não acreditava na sinceridade do militar, algo em seu olhar indicava que ele desejava enterrar tudo e sumir dali. Idealistas são perigosos. O planeta estava praticamente dividido entre duas classes de legorianos: os clero-militaristas e em número muito menor os que discordavam dos dogmas religiosos e eram alcunhados de negacionistas.

- Sabia que fui muito amigo de seu pai? -, fala Drake, enquanto começam a descer os túneis, largos no seu início e que vão estreitando-se e dividindo-se em múltiplos braços, numerados em sua entrada. A pergunta parecia retórica e Ilan permanece calado. Vão entrando no túnel nove e Drake continua, - incrível imaginar que o filho de um gal seria um estudioso e não um guerreiro defensor de nossas crenças. Com sua idade hoje já estaria no posto de cardeal e apto a encerrar a carreira eclesiástica e entrar no exército.

- Me diga gal, a quem você serve, ao alto comando militar ou ao papado?

- Ora jovem, você sabe que é praticamente o mesmo, o exército é o braço armado da igreja, servir a um é servir ao outro. Não entendo essa resistência dos negacionistas em aceitar os ensinamentos religiosos.

- Por favor gal Drake, o senhor é um homem inteligente, os dogmas são ultrapassados, não se mantem mais. Por exemplo, porque só em Legor haveria vida inteligente, e os outros milhares de planetas? Só porque os Deuses dizem que fomos os únicos criados? E o que me diz sobre as profecias do retorno dos solares e que estiveram aqui antes dos Deuses?

- Bah, balelas, você se deixa levar por fantasias ancestrais sem nenhuma base e credibilidade, reaproveitadas por negacionistas, cuidado, isso está beirando a heresia, e falo como amigo, por toda consideração que tenho por seu pai.

Continuam em silencio com a tosca iluminação da vela, até chegarem ao final do túnel 9.

- É aqui gal, o final da escavação, até onde chegamos.

Havia muita terra revolvida. Ilan acendeu dois archotes laterais iluminando o estreito fim do túnel.

Um brilho fugidio levou Ilan a se abaixar e pegar, encravado na parede, um artefato. Era circular, metálico prateado, não mais de uma polegada. O jovem arqueólogo limpou-o em sua blusa. Assoprou, limpou novamente, e começaram a aparecer algumas marcas. De um lado símbolos estranhos, como uma escrita irreconhecível, mas do outro... uma figura humanoide.

- Olhe isto gal, é um homem, mas... não tem nossa protuberância frontal. Veja a orelha, é arredondada, não pontiaguda como é normal.

Não pode continuar falando, o sangue jorrando de sua boca o impedia. A espada de Drake em suas costas atravessou seu pulmão. Caiu em agonia balbuciando – porque?

Drake examina o corpo sem vida, apanha o artefato do chão, examina-o e coloca no bolso interno da túnica. Ao se retirar vai derrubando as escoras do túnel que, lentamente no início e depois quase na sua totalidade, desaba.

Na barraca, mesmo após um longo banho, a tranquilidade não veio. Ao olhar a mão, parecia estranha, sentia como se não fora sua, a executora, alguém fez o trabalho sujo e necessário, não ele. Em sua cabeça a dúvida o atormentava. Ele realmente gostava do garoto e tinha grande apreço pela sua família. No escuro revia o rosto surpreso de Ilan. Talvez a bebida afaste a imagem. Três copos de raiz fermentada não ajudaram, mas deram uma tremenda ressaca ao amanhecer. Apesar do mal estar fez um rápido relatório ao ten Lasus, responsável pelo campo, informando que ouviu o barulho do desabamento de madrugada e que não encontrando o arqueólogo Ilan, imaginou que o mesmo estivesse com os soldados na vila. Recomendou uma busca do mesmo pelos arredores. E não o encontrando até o dia seguinte, ordenou o fechamento do sitio de escavações. Foi um prazer abandonar o acampamento poeirento e retornar ao bem-estar e limpeza de sua casa na capital Lasgar.

Passou alguns dias mal, mas tinha a convicção de que fizera o necessário. Era imperativo evitar mais incongruências religiosas. O artefato poderia abalar o sistema harmônico em que vivia. Nem seus superiores souberam da descoberta. Apesar de incomodado com o incidente, logo a rotina de caserna o trouxe de volta à realidade. Esqueceu o artefato. Passaram-se dois anos. A idade não lhe pesava, em seus cinquenta anos estava em ótima forma. Estava se preparando para uma solenidade militar. A visão do espelho o agradava. O cabelo um pouco grisalho penteado para trás. A tez amorenada devido a inúmeras missões de campo. Tinha físico de um lutador, tórax largo, musculatura bem desenvolvida. Saindo do banho escolheu uma saia militar com tiras de couro entremeada de cetim amarelo. A blusa amarela e colete negro com todas as medalhas e condecorações e uma sandália de couro ricamente adornada em amarelo ouro. Já chegara ao topo das patentes militares, agora era um “mal”.

Dirigia-se para o quartel quando um chamado urgente, de prioridade máxima, o solicita, fazendo desviar-se do rumo original e enviando-lhe a uma área fora da cidade. Não obstante a área fosse desabitada, estava cercada com uma vedação alta e soldados fazendo a segurança. Rostos conhecidos estavam presentes, altas patentes indicavam a gravidade da situação. Seu auxiliar direto Lasus, agora promovido a cap, logo o coloca a par da situação. Um veículo prateado desceu do céu a doze horas. Os quatro tripulantes foram dominados e estão confinados. Ninguém do alto comando sabe o que fazer.

- Leve-me até eles, Lasus.

Através da grade, por alguns minutos, pode observar com calma a testa lisa e as orelhas arredondadas dos estrangeiros. Lembrou-se de imediato da efígie no artefato metálico encontrado nas escavações. A figura era idêntica.

- Abra a porta da cela Lasus.

Entrou na cela ante a incredulidade do seu imediato. O chefe do grupo aproximou-se com as mãos estendidas. - Somos do planeta Grass, nós colonizamos seu planeta a quase dez mil anos. Somos um grupo avançado. Estamos supervisionando sua civilizaç..

Não pode continuar, com a espada de Drake atravessando seu abdome. O sangue jorrava enquanto o jovem piloto caia sem vida. Com rápidos e precisos movimentos de espada, mostrando sua habilidade de guerreiro, logo os três restantes juntaram-se ao primeiro. Quatro corpos sem vida, o sangue empapando o chão. Lasus apavorado o questiona: Mal, o que o senhor fez? Nem sabemos quem eram eles. E agora, o que acontecerá?

- Os Deuses também morrem Lasus. Eles eram anteriores aos Deuses. Mais semelhantes a demônios. Em sua simplicidade destruiriam nosso mundo. Estou apenas nos protegendo.

Jamais imaginaria como se proteger da frota de milhares de naves que se aproximavam.

Nilo Paraná
Enviado por Nilo Paraná em 12/02/2021
Código do texto: T7182415
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