Vontade própria

Seu medo foi aumentando, à medida em que o carro alugado foi reduzindo a velocidade, até parar por completo no meio da estrada escura.

- Droga! - Exclamou, batendo com as duas mãos no painel.

Ainda faltavam cerca de 20 km até a cidade mais próxima, e ao seu redor, podia vislumbrar apenas árvores sob a luz difusa do crepúsculo. O celular estava sem sinal e sem internet, portanto não poderia ligar para o socorro automotivo.

Teoricamente, aquilo não deveria estar acontecendo. O carro tinha bateria suficiente para mais cinco ou seis horas de operação, e o painel estava totalmente iluminado, embora irresponsivo. O fato de se tratar de um automóvel autônomo, tornava as coisas ainda mais estranhas, visto que deveria sinalizar visualmente e por voz qualquer problema que estivesse experimentando.

- Prossiga no curso! - Ela gritou, batendo novamente no painel. Nada ocorreu.

Era pouco provável que conseguisse uma carona para sair dali; estava atravessando a região fazia cerca de uma hora, e só cruzara com veículos autônomos de carga, todos indo em sentido contrário. Essas máquinas não paravam para recolher humanos, mesmo que o humano em questão estivesse correndo risco de vida. Afinal, ladrões poderiam simular uma situação de emergência para ir a bordo e roubar a carga.

Do lado esquerdo da estrada, avistou luzes que se moviam entre as árvores; pareciam estar vindo em sua direção. Ela achou que poderia estar em perigo, e saiu rapidamente pela porta do carona, correndo agachada até o lado oposto da floresta onde escondeu-se ofegante atrás de uma moita. Dali, viu dois vultos vestidos em roupas escuras acercarem-se do automóvel e o examinarem cuidadosamente pelo lado de fora, com suas lanternas.

- Não tem ninguém - disse um homem.

- Deve ter fugido, quando nos viu chegar - redarguiu outro, apontando a lanterna na direção na qual ela havia ido.

- Acha que serve? - Indagou o primeiro homem.

- É um carro alugado; a bateria deve ter carga suficiente - decidiu o segundo. - Vamos embora.

Entraram no carro, que misteriosamente voltou à vida como se nada houvesse acontecido. O veículo acelerou, e pouco depois ela só viu as luzes vermelhas traseiras perderem-se na distância. Achou que já havia esperado o suficiente, e que estava na hora de sair do esconderijo; começou a andar pelo acostamento, no rumo da cidade. Se mantivesse o ritmo, poderia chegar lá em quatro ou cinco horas e dar queixa na polícia.

Para sorte dela, a noite era de lua cheia; ao menos, podia enxergar onde estava indo, embora o silêncio da estrada, entrecortado aqui e ali por ruídos dentro da mata, lhe dessem arrepios.

Havia caminhado cerca de duas horas, sem ver vivalma, quando finalmente viu luzes à frente, no acostamento: as lanternas traseiras do carro que lhe havia sido roubado. Aproximou-se cautelosamente, por entre as árvores, até chegar bem perto do veículo, que estava com as portas fechadas e a luz interna acesa. Acercou-se, agachada, e arriscou olhar para dentro: não havia ninguém lá.

Com um suspiro de alívio, abriu a porta pelo lado da carona e sentou-se diante do painel.

- Prossiga no curso! - Exclamou, dedos cruzados.

Um bipe acusou o reconhecimento do comando. O veículo começou a mover-se e ganhou velocidade, tomando o rumo original; dez minutos depois, ela entrou na cidade e parou no estacionamento do hotel, como havia sido programado.

- Estávamos esperando-a às 18 h - comentou a atendente no balcão. - Problemas na estrada?

- Meu carro alugado resolveu fazer um frila - replicou, sem querer dar maiores detalhes.

No trajeto de volta, resolveu pegar um ônibus. Também era um veículo autônomo, mas se alguém resolvesse sequestrá-lo no meio do caminho, ao menos teria companhia para caminhar pela estrada deserta...

- [07-02-2021]