Pretérito imperfeito

Já tinha acordado cansado naquele dia, mas quando eu vi tinha dois amigos me convidando a pegarmos um ônibus e darmos uma passeada, viver uma nova aventura, fazer algo diferente, para algum lugar que nunca tínhamos ido, mesmo com preguiça, aceitei o convite.

Fomos caminhando até a parada, afinal ela era em uma rua que dava quase na frente do prédio onde morava, era só sair e dobrar a esquina, fomos conversando animadamente sobre os planos que tínhamos para o futuro..

Ao chegar lá no ponto do ônibus, me dei conta de que não tinha pegado minha carteira, falei aos amigos que me esperassem, pois precisava de dinheiro para ir com eles, eles concordaram e pediram para eu não demorar, pois o ônibus para onde iríamos não passa toda hora...saí correndo!

Atravessei a avenida e corri até meu apartamento, achei estranho, ela não estava onde achei que era, estava mais longe, nunca tinha notado isso...mas estava com pressa, corri e fui entrando no hall, mais estranho ainda, o prédio estava diferente, a porta...a porta estava estreita, tive que passar de lado, quase não consegui passar, e ao entrar vi que os moradores do prédio eram estranhos para mim, pensei, será que estou louco? Está tudo tão diferente..mas mesmo assim vi a porta do apartamento, entrei, achei meu quarto, peguei minha carteira, estava tudo muito escuro, e saí correndo, não queria perder meus amigos!

Fechei a porta e corri pela escada, vi uma mulher subindo por ela, olhei relance, ela mirava fixamente para os degraus, não pude ver direito, mesmo assim a cumprimentei, ela só murmurou, mais uma estranheza, parecia a vizinha do lado do meu apertamento, mas bem mais velha e ela estava com uma cor desmerecida…

Cheguei na parada de ônibus e vi que meus amigos estavam lá, ainda esperando, ufffa...suspirei aliviado, estava tudo normal!

Porém, foi então que olhei para as mãos e vi que carregava um pequeno saco, daqueles de embalar a vácuo, não lembrava de ter pegado aquilo, nele tinha uma roupa, de cor azul, parecia uma pequena camiseta de criança, uma que eu usei durante muitos anos, a minha favorita, me fez lembrar da minha infância que tanto eu fui feliz, e, junto no saquinho havia muitos papéis com desenhos infantis, de vários tamanhos e cores, a maioria bem amarelados pelo tempo. Cocei a cabeça, pensei: “o que era aquilo, quando eu peguei e para que levaria comigo?”.

Um amigo olhou para mim e riu de minha cara, disse que eu estava branco, que parecia que eu tinha visto um fantasma. Eu sorri, disse a ele que estava bem, mas novamente teria que voltar em casa, largar aquilo que carregava, pois mesmo não lembrando bem o que eram, me traziam uma sensação boa.

Eles me falaram: “vai mas não demora, não vamos perder o ônibus! Corre!”.

E lá fui eu para trás, novamente, pensando no passeio que queria fazer, de como seria legal aquilo que iríamos fazer.

Quando estava na calçada para atravessar a avenida vinham muitos ônibus em fila, parei para ver as placas com o destino, queria ver se o meu não estava ali, fui lendo: Bairro da Alegria; Vila Felicidade, Bairro da Saúde, estes estavam quase vazios, atrás veio para os Bairro Tristeza; e Morro da Decepção, estes estavam quase lotados. Bem, o meu não estava naquela levada de ônibus, suspirei aliviado.

Cruzei correndo, quase que um carro me pegou, tive que pular para frente, então uma moto teve que subir a calçada para não me atropelar, ouvi o motoqueiro gritar: “Presta atenção no agora, rapaz, se não não terá futuro!”. Na hora ri de nervoso, que susto!

Corri procurando meu prédio, mas ele não estava lá, que estranho, estava tudo diferente, não lembrava de ter que passar mais de um quarteirão, mas segui reto.

Na esquina estavam dois homens, vi que um estava pedindo alguma coisa para o outro, meio que abaixado aos pés do outro, eu estava com pressa, nem prestei atenção no que falavam, mas o que pedia agarrou meu braço enquanto eu passava, foi então que, por reflexo, puxei o braço, e o homem, como se não pesasse, simplesmente, veio junto, voou por cima de mim e se estatelou no chão de asfalto, no meio da avenida e foi desaparecendo aos poucos!

Eu olhei aquilo sem entender, parecia uma cena de jogo de videogame, naquelas fases que tu mata o vilão e ele vai sumindo da tela pouco a pouco.

O homem desapareceu na minha frente e eu apavorado olhei para o outro homem, e ele ria, ria alto, e disse, não se preocupe, ele não existe, pelo menos não aqui. Não entendi e o estranho olhou para mim, agora bem sério e falou: ele está onde deve estar, mas a mente dele não, ela não sai do passado dele, é como se ele fosse um viciado, mas não em drogas e sim no tempo no qual já viveu, então ele está lá na frente, mas uma parte importante dele está vagando, procurando e procurando por algo que não existe mais, e eu, meu amigo, também vou para frente e se fosse você faria e mesma coisa, não perca tempo procurando o que já não existe mais, caso contrário daqui a pouco nem eu vou existir!

E assim, o homem se virou e segui caminhando na direção oposta a minha e eu fiquei parado, não entendi o que ele quis me dizer, estava apavorado com aquilo tudo, mas, mesmo assim, o pouco que olhei para aquele homem, o achei tão parecido comigo, porém, mais velho, bem mais velho!

Resolvi correr, achar meu prédio e para poder seguir em frente com meus amigos, atravessei a rua, e quando cheguei no outro quarteirão, olhei para onde eu estava e vi que aquele homem começava as desaparecer também. Balancei a cabeça, estava transtornado, notei que ninguém caminhava na direção que eu estava indo, todos vinham ao contrário e logo sumiam.

Procurei meu prédio, estava tudo diferente, aquele não era o lugar em que eu morava, estava tudo meio que apagado, mudando de tom, não sabia mais o que fazer, olhei para minha mãos, vi o saquinho e pensei “o que estou fazendo, estou perdendo meu tempo por coisas que nem lembrava direito para que serviam”. Resolvi largar aquilo e correr para meus amigos, e assim eu fiz, deixei o saco embaixo de uma pedra e corri, corri muito.

Parece que demorei o triplo do tempo da vinda, mesmo sem ter parado, mas reconheci a esquina, era lá que eu tinha que dobrar, quando cheguei lá, para minha tristeza, meus amigos não estavam mais, o que havia era um bilhete colado na parada, com as mãos trêmulas, comecei a ler:

Amigo, passaram vários ônibus que nos levariam até onde tínhamos combinado de irmos juntos, e te esperamos o que pudemos, até que chegou o momento em que um motorista parou e nos falou “ou vocês sobem agora e irão como e para onde sempre quiseram ir ou terão que esperar o próximo ônibus, mas eu posso garantir a vocês de que no próximo a viagem não será tão fácil e nem perto de como vocês querem que ela seja!, mas são vocês quem decidem, se querem esperar o tempo passar e ficar aqui e arriscar o futuro de vocês pelo passado...e nós decidirmos ir, boa sorte, quem sabe um dia nos vemos por lá!”.

Comecei a chorar, eles me esperaram o que conseguiram, mas todos temos que seguir, porém, eu fiquei ali naquele presente que mais parecia o passado, deixei o futuro passar por mim diversas vezes para correr atrás do que não estava mais lá.

A minha esperança é o próximo ônibus não demorar o suficiente e eu querer sair correndo para buscar aquele pacote que deixei debaixo da pedra…