Teletransporte - parte 9
Sim, ainda com a enxurrada de provas, com a impossibilidade, o total fracasso de todas as minhas técnicas aprendidas em vida para despertar de sonhos lúcidos, bem lá no meu âmago ainda me recusava a aceitar a ideia que que havia mesmo morrido, de que era agora um espírito interagindo com um plano paralelo ao mundo material. Entendam que isto não é algo fácil de se aceitar, ainda mais quando você é um cientista, físico, que dedicou sua vida estudando o mundo material e explicando, ou ao menos tentando explicar tudo o que observava em termos de interações entre elementos deles, todas elas podendo ser compreendidas e enquadradas em leis matemáticas! Mesmo a mecânica quântica, que éramos incapazes de enquadrar na física clássica. Para estas tentavamos criar uma matemática nova, de forma que tudo voltaria a ser previsível: a física quântica não passava de uma outra física explicada com uma lógica matemática diferente, explicada fora de nosso "senso comum" que neste caso parecia apenas ser um empecilho à nossa tentativa de explicação exata, e do qual precisaríamos nos desfazer se quiséssemos avançar em nossas tentativas de explicar o universo, seus personagens e em como ele funciona.
— Richard!!! — via um Mauro entusiasmado à minha frente, pessoa que já havia aceitado estar morta, portanto com a qual não esperava interagir nunca mais. — Não imagina o quanto desejávamos você aqui!! — muda de expressão, reconhecendo logo a besteira dita. — Desejávamos não, lógico! Ninguém aqui queria que você morresse obviamente. Mas agora que está aqui, temos tanto a oferecer!
Aquele lugar! Aquelas paredes de brancura impecável! Terminais pendurados nela, exibindo dados cujos significados estavam completamente fora de meu alcance...
— Morri mesmo, Mauro?
— Sim, amigo! Mas você se acostuma, vai acabar gostando daqui...
— Eu morri... — ficava repetindo para mim mesmo, num murmúrio doloroso... — Queria fazer tanta coisa ainda...
— Todo mundo quer, amigo! — Charles interveio, tentando tirar-me daquele estado melancólico. — Todo mundo quer... Mas... Há tanto pra se fazer aqui!!! Você vai acabar se esquecendo do plano material, eu te garanto!
Computadores muito sofisticados se espalhavam por toda a sala. Mauro manipulava um tablet de leveza inimaginável, tecnologia que eu desconhecia no plano material.
— Tablets e computadores aqui no mundo etéreo, amigo? Por que vocês precisam deles?
— Na verdade é o contrario, Rick!!! De onde VOCÊS, lá no mundo da matéria, acham que tiram as ideias para fazer estas coisas? Aqui no plano etéreo já existem faz tempo, desde o final do século 19.
— Nós copiamos estas coisas?
— Sim, alguma memória daqui que vocês preservam quando voltam pro mundo material, e tentam imitar! Recentemente estamos nos surpreendendo com a velocidade com que vocês estão conseguindo refazer estas coisas!
— Quando voltamos? Nós voltamos?
— Mauro! — interveio Charles — Ainda não falei com o Richard sobre esta parte!
— Ah, me desculpe! Mas uma hora você vai saber, meu amigo!
Charles e Mauro trocaram olhares. Um olhar maroto! Eu os conhecia bem, claramente estavam preparando alguma brincadeira, uma pegadinha! Fingi não ter percebido nada, e deixei rolar.
— Richard, pode encher esta garrafa de água aqui para mim?
Me apresentou uma garrafa esquisita. Transparente, mas aparentemente toda torta! Não percebi de imediato onde estava a brincadeira, e a peguei, levei até o bebedouro no canto da parede da sala de Mauro, e comecei a enchê-la. Ela enchia... e enchia... e enchia... e ficava cada vez mais pesada...
— E aí, Richard?
Por mais que a enchesse, e por mais que ela pesasse, aparentemente continuava vazia! Olhei desconfiado o fundo da garrafa, constatei que ele não existia! Ele continuava! Fazia uma curva! Parecia dar uma volta e se reconectar de novo à própria abertura no pescoço da garrafa, mas em ângulos intangíveis, com as paredes invertidas! O lado de dentro se tornando o lado de fora, e vice versa. Que era aquilo?
— E então, Richard? Conseguiu encher? — ouvi Charles perguntando enquanto a garrafa ficava cada vez mais pesada, o garrafão se esvaziando, mas a garrafa aparentemente não parecia ficar nem um pouco mais cheia que antes...
— Ela não enche...
— Nem vai encher, amigo! Ela tem volume infinito...
— Como???
— É uma garrafa de Klein!!! Aqui nós conseguimos construir estas coisas com mais de três dimensões!!
Uma garrafa de Klein!!! Virei a boca da garrafa, despejando o líquido. Ele não parava de sair de dentro dela! Agora estava claro: todo o conteúdo do garrafão estava lá dentro, embora estivesse armazenado numa quarta dimensão que eu era incapaz de ver.
— As coisas aqui não estão limitadas a três dimensões, é isto?
— Você ainda está ligado ao mundo físico! Vai continuar vendo só as projeções tridimensionais dos objetos tetradimensionais como este, mas... sim!!! As coisas aqui podem ter mais dimensões do que estamos acostumados...
A poça de água se espalhava pela sala, e cada vez mais eu me surpreendia com o mundo novo que se descortinava diante de meus olhos! Digo, meus paraolhos...
* continua *