Polindo a prataria
Eloise levantou para mais um dia duro de trabalho; que, no caso dela, era dentro de casa mesmo. Tudo tinha que estar perfeito: o piso varrido e lustrado; o carpete e as cortinas, aspirados; os móveis, espanados; a roupa de cama sem um vinco; as roupas penduradas nos armários por ordem de cor. Era como se fosse um recruta preparando-se para uma inspeção de alojamento de quartel, sendo que o sargento era ela mesma. E um sargento exigente.
Depois de tomar café sozinha na mesa da cozinha, lavar e guardar a louça, colocar comida para o gato e limpar a caixa de areia para o mesmo, preparava-se para passar pano no piso quando o interfone tocou. Ergueu os sobrolhos, pois não estava esperando que ninguém ligasse tão cedo, mas foi atender.
- Sra. Berry? - Ouviu a voz do porteiro.
- Sim, Andrei?
- Bom dia. Desculpe lhe interromper nos seus afazeres, mas acaba de chegar uma encomenda para a senhora...
- O entregador pode vir deixar aqui em cima - aquiesceu ela.
- Vai subir pelo elevador de carga - alertou Andrei. - É uma caixa bem grande.
- Caixa grande? - Eloise titubeou. - Não pedi nada que precisasse vir pelo elevador de carga. Do que se trata, afinal?
- A nota fiscal é da U.S. Robots. - informou o porteiro. - E o seu filho é o remetente.
Evan, o filho, mudara-se para os Estados Unidos há muitos anos; mandar aquele tipo de presente, parecia ser bem uma atitude dele, embora jamais houvesse declinado que precisava de um robô; não gostava sequer de aspiradores automáticos e micro-ondas que preparavam receitas.
- São só perfumaria - afirmava.
O entregador entrou pela porta da cozinha, e abriu a caixa de madeira, que tinha quase dois metros de altura. Dentro, protegido por várias camadas de espuma de polietileno, estava um robô prateado.
- O que essa coisa faz? - Indagou Eloise, mão no queixo.
- A senhora é quem vai determinar - replicou o entregador, entregando-lhe um tablet para que assinasse a entrega. - Tem um manual aí dentro, mas as ordens podem ser dadas por voz, como se estivesse falando com uma pessoa.
Mostrou o botão de liga/desliga, localizado na nuca do robô, após informar que a máquina se recarregava sozinha à noite, conectando-se em qualquer tomada da casa.
- As baterias são de longa duração, e bastante econômicas - afirmou o entregador, antes de se retirar.
- Vou saber depois que chegar minha conta de energia do próximo mês - replicou Eloise, cética.
Sozinha com o robô, mãos na cintura, Eloise pensou no que faria com a máquina. Ou melhor, no que a máquina faria para ela, já que tinha uma rotina extremamente organizada. Estendeu a mão e apertou o botão na nuca do robô; os olhos do mesmo se acenderam.
- Olá! Como devo chamá-la? - Indagou a máquina.
- Me chame de Eloise. E você, como quer ser chamado?
- Não tenho um nome, mas você pode me dar um, caso queira.
- Então... você vai ser Silver. Acho que fica bem com a sua aparência...
Eloise levou o robô para um giro pelo apartamento, o que foi feito em poucos minutos. Em seguida, explicou-lhe o que fazia para manter a casa sempre limpa e arrumada.
- Acha que pode conservar tudo organizado? - Questionou ela.
- Será um desafio, mas vou tentar estar à altura - prometeu Silver.
E começou imediatamente a limpar e arrumar a casa.
* * *
Eloise estava sentada no sofá em frente à TV, um copo de martíni na mão, quando o videofone zumbiu; tocou na tela, e era Evan, ligando dos Estados Unidos.
- Olá, mãe! Então, recebeu o robô que lhe mandei?
- Oh, recebi sim; Silver está recarregando na cozinha. Muito grata pelo presente.
- E o que achou?
- Eu estava em dúvida quanto à utilidade dele, mas francamente, consegue ser ainda mais detalhista do que eu. Creio que finalmente vou poder me aposentar dos afazeres domésticos.
- Já percebi, por esse copo de bebida na sua mão - alfinetou Evan.
- Penso que também merecia relaxar - replicou Eloise, erguendo o copo em saudação.
- E o que pretende fazer, agora que tem todo o tempo livre do mundo? - Questionou, com um sorriso.
Eloise tomou um gole do martíni antes de responder.
- Alguém vai precisar cuidar do Silver, não é? Aquela cobertura metálica dele pode ficar cheia de nódoas, se não for polida todo dia. É o que eu me proponho a fazer...
E diante da cara de espanto do filho, acrescentou:
- Não pensou que eu fosse ficar desleixada só por que agora não terei que fazer pessoalmente as tarefas da casa, não é?
- [31-01-2021]