Teletransporte - parte 7

Sim, deveria ser mais fácil aceitar! Como cientista era de se esperar que eu não tivesse dificuldades em entender o óbvio, o fato que se apresentava evidente para minha observação. Eu estava num estado diferente, incapaz de interagir com qualquer coisa ou pessoa à minha volta exceto com Charles, amigo que imaginava já morto há algum tempo! Já tive sonhos lúcidos, mas este estava vívido demais, e se recusava a se dissipar! Normalmente, depois de percebê-los, não demorava muito tempo até conseguir despertar e voltar à realidade. Porém este parecia insistir em permanecer me enganando...

— Sei o que você está pensando, amigo! Também me interessei por isto quando vivo, imaginei que estava acontecendo de novo, mas te garanto: você não está tendo um sonho lúcido! Entretanto te deixarei descobrir isto no seu próprio tempo...

Tentei flutuar, ficando na horizontal em meio ao nada. Consegui testar isto em muitos sonhos lúcidos que experimentei! Parecia começar a conseguir, mas sempre acabava encostando no chão frio do laboratório. Frio? Por que frio? Provavelmente porque era assim que eu o imaginava, e isso se concretizava em minha auto-ilusão de realidade. Tentei correr. Corria em câmera lenta. Já presenciara isso antes, parecia ser uma confirmação de minha hipótese inicial.

— Aconteceu comigo também. As coisas aqui funcionam meio diferentes, bastante influenciada pelos resultados que esperamos delas. É difícil separar o que é lei fundamental desta pararealidade do que é influenciado pelas suas expectativas, mas com treino acabamos aprendendo a diferenciar estas coisas.

Em sonhos lúcidos sempre experimentava correr um pequeno trecho e recolher as pernas, continuando naquela direção por longo tempo, voando mesmo, algo claramente impossível de ser conseguido na realidade. Indicação clara de que estava tendo um sonho lúcido! Não funcionou, caí logo que recolhi as pernas, batendo o joelho no chão. Só que... estranho!!! Não senti a dor que esperava sentir se esta queda fosse real!

— Me poupe do vexame de se despir em público, por favor! Só para perceber depois suas roupas de baixo se materializando magicamente...

Ignorei o conselho, que considerava serem vozes vindas de minha fértil imaginação, e me despi no meio do laboratório. Para perceber em seguida cuecas surgindo magicamente...

— Tome aqui, amigo! — Charles me dava minhas roupas. — Vamos sair daqui, dar uma volta.

Reconheci o ambiente ao redor, ligeiramente mais brilhante que o normal. Charles percebeu minha tentativa inútil de bloquear aquele brilho com as mãos.

— O que você está vendo é a faixa ultravioleta do espectro solar. Somos capazes de detectá-la nesta nossa nova condição. Você se acostuma com o tempo...

Via em volta o campus da Universidade. A região em torno do laboratório que já conhecia muito bem!

— Estou morto mesmo, Charles? — havia enfim me rendido à explicação óbvia.

— Está sim, amigo. Mas... você vai gostar daqui! Me acompanhe!

— Onde estamos indo?

— Ao CPE, Centro de Pesquisas Etéreas.

— Nunca ouvi falar...

— Lógico que não! Ele não existe no plano físico, só nesta realidade astral...

Caminhamos pelo caminho já bem conhecido por mim, até a praça central. Um prédio se erguia imponente lá! Um prédio que não existia, nunca havia visto! Mas lá estava ele...

— Que coisa é aquela?

— O CPE, amigo! Centro de Pesquisas Etéreas! Vários professores e pesquisadores que dedicaram suas vidas aqui enquanto incorporados ajudaram a fundá-lo, e a desenvolvê-lo!

— Centro de Pesquisas Etéreas?

— Isso!!! Cientistas tentando entender cientificamente este novo mundo no qual estamos agora.

Sombras surgiam repentinamente ao longo de nossa caminhada para a praça central. Ignoráveis se não lhe dávamos atenção, mas se eu tentava focalizá-las começavam a ganhar forma...

— AH, um novato! — reconheci de repente uma voz desconhecida falando.

— Olá? Quem é você?

A sombra foi ficando mais nítida.

— Vem pra cá! Estamos organizando uma festa!

— Festa?

— Sim! Muita música! Bebidas! Coisitas mais... Me segue!

Sinto um braço me puxando.

— Não, Richard!!! Não dê atenção a esses aí não!

A sombra cada vez mais nítida rápida se dispersou.

— Por quê? Ele me convidou pra uma festa!

— Almas perdidas procurando carne nova...

— Perdidas? — inquiri meu amigo com o olhar, que sabia, ou imaginava, ser bastante liberal enquanto em vida.

— Difícil explicar... Lógico, depois de conhecer como funciona tudo aqui, você estará livre para fazer o que quiser! Mas agora está muito vulnerável, presa fácil, entende?

— Presa fácil...

— Depois de ficar mais forte e entender como são as coisas aqui, poderá fazer o que lhe der na telha! Mas por hora, só me acompanhe, por favor!

As sombras sumiram completamente no resto do caminho.

— Sei o que está pensando: o que é realidade agora, e o que não é...

— Sim, Charles!!! Por que vejo as coisas acontecendo no mundo da matéria, mas vejo coisas novas que nem sabia existir, como este prédio enorme no centro da praça central do campus! E às vezes vejo, às vezes não, sombras ao longo do caminho.

— Pense nisto como orbitais eletrônicos.

— Orbitais?

— Sim, níveis de energia diferentes! O núcleo do átomo sempre está lá! Mas os elétrons percorrem orbitais energéticos em torno dele diferente dependendo do nível de energia que possuem no momento!

— Níveis de energia?

— Sim! No nível básico, temos uma casca esférica em torno do núcleo com todos os pontos de sua superfície igualmente prováveis de serem ocupados! Se o elétron ganha energia ele assume orbitais estáveis diferentes, mais complexos, com outros lóbulos. Apesar de continuar orbitando o mesmo núcleo atômico do elétron inicial. Entende o que quero dizer?

Pensei um pouco no assunto...

— Eu estou num orbital de energia mais elevado!

— Basicamente isto! Mas entenda, você não é mais átomo, formado de prótons, nêutrons e elétrons. Foi só uma analogia útil que usei para te explicar. Mas... é basicamente isto sim!

Atravessamos o portal de entrada do CPE, ouvi Charles dizendo: "É um novato amigo meu!". Vi um salão central de limpeza e brancura impecáveis! Uma dupla escada central em espiral levava ao nível superior, degraus com detalhes em dourados complexamente entalhados numa forma que lembrava hélices de DNA, só que triplas.

— Tem muitos amigos antigos aqui ansiosos para te conhecer pessoalmente, Richard!

Subimos as escadarias que conduziam para a direita do mesaninho.

— Vamos para o vigésimo andar. — disse apertando um botão na parede. — Lembra do Mauro? Aquele baiano arretado que morreu uns três anos atrás por causa de um tropeção idiota num dia de sol? Ele está aqui estudando paramecânica...

— Paramecânica?

— Sim! É assim que chamamos a física deste mundo: PARAFÍSICA! Vc vai ver que os experimentos dependem muito do observador aqui, são influenciados por eles, mas desenvolvemos alguns métodos estatísticos para separar isto, extrair as leis fundamentais! Descobrir o que é fixo nos objetos inanimados plasmados do que é resultado de nossa influência sobre eles.

— Nossa observação influi em experimentos macroscópicos?

— Você vai ver que aqui as regras da física quântica acabam sendo ampliadas para objetos maiores, mas... calma aí, amigo! Cada coisa no seu tempo!

Entramos no elevador.

— Por quê precisamos de elevadores?

Charles esboçava um sorriso contido.

— Como espíritos, não podemos nos materializar onde quisermos?

Charles segurou uma gargalhada, enquanto subíamos.

— Você ainda se imagina material, não é, Richard?

— Como?

— Você acha que ocupa volume no espaço, tem massa, é atraído pelo campo gravitacional de nosso planeta... essas coisas todas!

Olhei em volta antes de responder, esperando por alguma pegadinha.

— Você só vê exatamente o que espera ver, meu amigo!

— Como?

Abre-se a porta do elevador, com a voz robótica anunciando: VIGÉSIMO ANDAR!

— É o novato? — pergunta um ente indefinido, pálido como papel, autômato de gênero impossível de ser identificado.

— Sim, está comigo! Podemos falar com o Mauro?

— Só um minuto... — diz, tocando algo não visível em sua orelha direita.

— Venha aqui, por favor! — diz Charles, indicando uma porta na parede oposta. — Estamos no vigésimo andar do edifício. Vê algo estranho?

Olho em volta, uma sala de espera convencional, poltronas confortáveis, bebedouros, uma bonita máquina de café... ah, eu daria tudo agora por um café!!!

— Vá em frente, Richard! Pegue seu café!

Me aproximei da máquina, apertei minha opção, "café forte".

— Você acha mesmo que continua tudo normal, né? Que ainda precisa comer, beber, essas coisas orgânicas todas que está acostumado a fazer...

Tomo um gole de meu café. Delicioso!!!

— Venha aqui, por favor!! — Charles abriu a porta da parede oposta, e me dirijo até ela. — Olhe para baixo...

Abaixo de mim havia um azul anil sem fim! Perdi o equilíbrio imediatamente!

— Agora... olhe para cima!!!

Prédios, casas, praças... a cidade de São Paulo se fixava acima de minha cabeça, numa realidade surreal que era incapaz de compreender naquele momento! Me senti desequilibrar, caindo no teto daquele vigésimo andar, sensação imediatamente dissipada ao ver os móveis todos distribuídos no plano que acreditada anteriormente ser o certo! E a realidade novamente voltou a se fazer para mim!

— Você não tem mais corpo material, meu amigo! Você não é mais atraído pela gravidade do planeta! E será atraído exatamente para a direção em que acreditar ser a correta, de acordo com o seu julgamento sobre o que observar à sua volta.

Olhou satisfeito minha cara de espanto.

— Entende agora como funciona este mundo que vamos começar agora a estudar?

*** CONTINUA ***