É proibido alimentar os pombos

Em trajes de proteção brancos, um grupo de técnicos desembarcou de uma van em frente à praça vazia. Alguns pombos, que caminhavam despreocupadamente por ali, ergueram voo, assustados com a súbita movimentação.

- Olha só, esses desgraçados! - Exclamou Alonso com raiva. - Parece que nada aconteceu...

- Para eles, não - replicou Ramón, que chefiava a equipe. - Espalhem-se, deixem as iscas em local visível! Os bichos devem estar com fome.

- Certamente que estão - comentou Alonso, começando a colocar as vasilhas cheias de sementes à sombra das árvores da praça.

Cautelosamente, os pombos voltaram a pousar e se aproximaram dos comedouros, enquanto os técnicos observavam à distância.

- Formem equipes de dois - ordenou Ramón. - Temos que ver onde estão colocando os ovos e destruir o que for possível.

Isso era mera precaução, pois sem as aves adultas, a sobrevivência dos filhotes tornava-se improvável. Mas ordens eram ordens, ninguém queria correr riscos depois de tudo o que já acontecera nas semanas anteriores. O grupo, com seus kits de desinfecção, machados e cortadores de cadeados, espalhou-se pelos prédios ao redor da praça, evacuados logo no início da crise; não havia tempo para solicitar chaves dos proprietários, e em muitos casos, eles haviam morrido antes de ter tempo de sair de casa. A praga era quase sempre fatal e espalhava-se rapidamente.

- Vamos pela rua lateral - observou Alonso para Florencia, sua companheira de equipe.

Pararam em frente a um prédio residencial, à frente do qual havia uma trilha de cédulas deixadas cair por saqueadores em fuga.

- A portaria está aberta - percebeu Florencia, que carregava um tanque de desinfetante às costas.

- Menos trabalho - replicou Alonso, empurrando cuidadosamente o portão de ferro com o pé de cabra que segurava nas mãos.

Havia mais dinheiro caído no piso do hall de entrada. Alonso testou os botões de chamada dos elevadores, e eles se acenderam.

- A energia ainda está ligada; vamos economizar 18 andares pela escada.

- Isso é seguro? - Questionou Florencia.

- Qualquer coisa, eu uso isso - minimizou Alonso brandindo o pé de cabra.

Entraram no elevador e Alonso apertou o botão da cobertura; a partir dali, desceriam para vistoriar os andares inferiores. Ao sair para o jardim suspenso que rodeava a cobertura, perceberam que as plantas haviam sido regadas recentemente.

- Choveu nos últimos dias? - Questionou Florencia.

- Não o suficiente para molhar somente o jardim; ainda tem alguém morando nesse prédio - afirmou Alonso, empunhando o pé de cabra.

- Deveria estar morto, por essas alturas - avaliou Florencia. - Não viu os pombos na praça?

- Vamos descobrir já - replicou Alonso. - Silêncio ao descer...

Começaram a descer pelas escadas na ponta dos pés, tentando captar algum som que indicasse que não estavam sozinhos. Finalmente, ao entrar no 17º andar, um tinido metálico despertou a atenção deles. Alonso gesticulou, indicando uma porta no meio do corredor, sob a qual escapava uma réstia de luz. Posicionaram-se, um de cada lado da porta, e Alonso bateu nela com o pé de cabra.

- Vigilância Epidemiológica! Tem alguém aí dentro?

- Vão embora! - Gritou uma voz rouca de homem. - Não preciso de ajuda!

- Essa área foi evacuada semanas atrás - exclamou Alonso. - Não é permitido continuar aqui, há risco de morte!

- Não quero sair daqui, não tenho para onde ir - a voz respondeu.

- Você terá que ir para um dos acampamentos do governo, até que a emergência médica tenha passado - acrescentou Florencia.

- Não vou à lugar nenhum - replicou o homem.

- Se não abrir, teremos que arrombar - ameaçou Alonso.

A ameaça surtiu efeito. Instantes depois, a porta foi aberta e viram-se diante de um velho com raros cabelos brancos numa cabeça pintalgada de sardas. Atrás dele, uma sala de estar desarrumada, onde sobre o carpete, viam-se vários pacotes de milho para pombos, alguns abertos.

- Ei! Isso é crime! - Exclamou Alonso. - Não sabe que os pombos são os vetores da praga?

- Mentiras! Mentiras! - Retrucou o velho, dedo em riste. - Vocês odeiam pombos, essa é que é a verdade! Eles foram tudo o que restou de vivo! Não vão envenená-los também!

Florencia sacou uma pistola com dardos tranquilizantes e disparou contra o homem. Ele olhou para ela com os olhos arregalados e dobrou-se sobre o carpete pouco depois.

- Como ele ainda está vivo? - Inquiriu ela, intrigada, enquanto o colega o examinava para aferir os sinais vitais.

- Talvez gostar de pombos seja uma pré-condição - replicou Alonso. - Se isso for verdade, acho que estamos todos condenados.

Em seguida sacou o radiotransmissor, para comunicar a Ramón o que havia ocorrido.

- [23-01-2021]