Acredito ser o único no mundo, ao menos atualmente, a conhecer uma forma de existência que, se manipulada corretamente, é capaz de induzir projeções futuras através de sonhos sintéticos. Refiro-me ao que, em menos de quatro décadas, será conhecido como a quinta esfera de Daergale.
Certamente, se dependesse de mim, o ser humano nunca a descobriria, mas, segundo minhas projeções, ele acabará por encontrá-la de uma forma diferente da que eu mesmo descobri.
Propositalmente, não entrarei em detalhes, pois não quero facilitar nada para ninguém. No entanto, tenho algo relevante a dizer sobre o que vi em minha mais audaciosa projeção. A princípio, duvidei do poder da quinta esfera e, para testá-la, fiz projeções curtas que raramente ultrapassavam um mês no futuro. Observava o que aconteceria um mês após a projeção e, ao fim desse período, podia confirmar se o que havia visto no sonho sintético realmente ocorria daquela forma.
O resultado? Sempre acontecia exatamente como havia visto nas projeções!
Após esses testes menores e dominado pela sede de conhecimento sobre o futuro, decidi embarcar em uma aventura futurística mais audaciosa. A ideia era avançar o máximo que eu pudesse suportar. O grande problema é a quantidade de energia que a quinta esfera consome de quem a utiliza. O fim de uma projeção é sempre seguido por um longo período de descanso, pois, em alguns casos, é quase impossível levantar da cama. Pensando nisso, recorri a algumas drogas para dormir por dois dias seguidos e, em seguida, iniciei essa distante aventura.
O que tenho a narrar é, na verdade, o conteúdo de um documento ao qual tive acesso nessa ousada projeção. Não poderia lembrar de todo o conteúdo do documento se não fosse a aplicação de uma antiquada técnica de hipnose regressiva e minha formidável capacidade pantomnésica.
Sei que ninguém dará crédito ao que se segue, mas garanto que, ao ler as linhas abaixo, estarão lendo o futuro!
***
No ano lunar 901, após o primeiro contato com Astrobius r245, nossa civilização celebrou o aniquilamento de mais um planeta-ameaça. Fui designado ao mais alto posto para essa missão e nele permaneci graças ao sucesso alcançado.
Nosso planeta tornou-se, finalmente, o mais poderoso dentro do limite etéreo conhecido, graças aos inventos do Dr. Kallamian, sobre os quais devo fazer algumas observações antes de prosseguir. Kallamian é o primeiro fruto bem-sucedido (há 48 anos) de uma série de experimentos genéticos do tipo “compensação”. Esses experimentos visam modificar a genética para substituir certas partes ou órgãos por uma psique mais elevada do que a normal. Consequentemente, Kallamian nasceu sem seus membros locomotores inferiores e obteve, em compensação, uma capacidade criativa quatro vezes maior do que a dos renomados artistas.
É de conhecimento geral que a criatividade é a arma mais potente, e é à criatividade do respeitadíssimo Dr. Kallamian que devemos nossa atual supremacia cosmológica. Os inventos que surgiram de sua mente nos projetaram ao futuro muitos anos à frente das outras civilizações espalhadas pelo éter.
O último experimento genético anterior a Kallamian falhou, pois, ao tomar consciência de sua condição (já em tenra idade), rebelou-se contra seus criadores. O sucesso com Kallamian foi alcançado graças a um ajuste simples, que consistia em acostumar seu organismo com uma substância fabricada exclusivamente pelos cientistas que o criaram. Assim, para que Kallamian sobrevivesse, ele precisava atender aos desejos de seus criadores para obter em troca a substância necessária para seu organismo.
A arma que nos garantiu a vitória foi uma máquina capaz de prever ameaças. Seus raios eram direcionados a um planeta habitado para captar informações, e cálculos eram realizados com base em todo o conjunto tecnológico coletado daquele planeta. A máquina podia determinar se o planeta em questão representava uma ameaça futura, com base no avanço esperado de sua tecnologia. Quando um planeta com potencial para se tornar uma ameaça era identificado, atacávamos antes que tivesse a oportunidade de evoluir, garantindo assim nossa vitória e supremacia.
Um dos planetas que atacamos surpreendeu-me devido a uma peculiaridade que ocorreu quando nos afastamos dele antes que a máquina explosiva do Dr. Kallamian fosse detonada. Refiro-me ao planeta Sestian, localizado em nossa galáxia, e que foi alvo de nossa última missão.
Quando Sestian se tornou uma ameaça devido ao progresso de sua tecnologia, agimos impetuosamente contra ele.
Uma vez identificado o planeta-alvo, o processo de aniquilamento era realizado com apenas duas armas: as conhecidas J334 e MK455.
Inicialmente, nossa nave se aproxima do planeta ameaçado e emite, com o uso da J334, um conjunto de ondas Tátilus, capazes de paralisar qualquer alienígena em movimento. Isso ocorre porque as ondas Tátilus neutralizam os impulsos elétricos do sistema nervoso responsáveis pela locomoção. Dessa forma, os seres ficam estáticos e incapazes de se mover, embora a consciência permaneça intacta e atenta ao que ocorre ao seu redor.
Uma vez inutilizado o alvo principal, ou seja, eliminada sua única defesa, nossa nave aterrissa calmamente no planeta e implanta a MK455. Essa arma é composta por uma cápsula contendo um circuito e uma quantidade esmagadora de Limurun e Tórmirun. Quando combinadas nessa quantidade, essas duas substâncias geram uma explosão intensa o suficiente para destruir um planeta. Os dois componentes ficam em compartimentos separados por uma fina camada de uma matéria isolante, que se derrete quando o circuito emite calor.
Após implantar a MK455 no planeta-alvo, procedemos ao envio de um aviso aos presentes, que, devido à paralisia causada pelas ondas Tátilus, nada podiam fazer. O aviso consistia em uma breve explicação sobre o que estava acontecendo e o que estava prestes a ocorrer. Ele era transmitido pelo comandante da missão, através de um dispositivo de fala presente em nossa nave, com um alcance de onda suficientemente longo para ser ouvido por quase todo o planeta.
Esse procedimento, embora possa parecer desnecessário, é uma norma ética de nosso planeta que devemos aplicar também em outros. Trata-se da chamada “oportunidade de fuga”, que oferece ao planeta uma única e tênue chance de escapar de nosso ataque. Embora isso possa retardar nosso próximo ataque em alguns anos, sempre devemos conceder uma ínfima chance de sobrevivência.
Ao pousarmos no planeta Sestian, no exato local onde implantaríamos a MK455, notei uma horda de bípedes ao redor, cuja formação corporal era realmente assustadora. Eles estavam imóveis, dominados por um medo estampado em suas faces horríveis, enquanto contemplavam nossa invasão. Eram os seres mais apavorantes que eu já havia visto. O que fizeram ao seu planeta era uma prática autodestrutiva, e, de certa forma, pensei que seria um favor para o cosmos destruí-los.
Quatro de meus homens desceram a MK455 da nave usando um aparelho antigravitacional ajustado para a gravidade de Sestian e a implantaram no solo. Após verificar a máquina explosiva, retornei à nave e utilizei o aparelho amplificador e emissor de som para enviar o comunicado final aos alienígenas nativos.
“O que tenho a dizer é que o fim de vosso planeta chegou. De acordo com nossos cálculos, vocês se tornariam uma ameaça devido ao avanço tecnológico de seu planeta, e é por isso que nossa missão é destruí-los. Temos normas de conduta e moral em nosso planeta e sabemos o quão injusto, imoral e covarde esse ataque pode parecer, mas é pensando no bem-estar de nosso mundo e de nossos filhos que fazemos isso. Estou certo de que vocês fariam o mesmo se tivessem a oportunidade, e é por essa razão que ignoramos a aparente injustiça desse ato destruidor. Esta máquina fixada em vosso lar é um explosivo que será ativado quando sairmos pelo éter e porá fim definitivo a este planeta. No entanto, devido a uma lei de justiça de nosso planeta, vocês têm uma oportunidade de fuga, ainda que seja praticamente inaplicável. O mecanismo em forma de interruptor da máquina explosiva é o único meio de desativá-la. Se for alcançado antes que a máquina exploda, terão uma segunda chance. Obviamente, o efeito das ondas que os mantém paralisados continuará após nossa saída. A chance de fuga é ínfima, embora exista.”
Após finalizar o aviso, ativamos o circuito da MK455, que possui um temporizador que aciona a placa emissora de calor após um período programado por nós. Com o temporizador ativado, subimos a bordo da nave e partimos do local. O sistema propulsor foi ativado e a nave começou a subir gradualmente.
De dentro dela, eu observava o planeta através de uma lente ajustável de alta densidade, que me permitia ver qualquer detalhe, mesmo à medida que nos afastávamos.
O que vi após alguns minutos de afastamento foi o que mais me motivou a relatar essa missão, pois me fez refletir sobre a imprevisibilidade desses alienígenas:
Diante da MK455, apareceu um ser rastejante notoriamente nascido com uma má formação genética. Embora fosse da mesma espécie dos bípedes racionais que estavam paralisados, parecia que o efeito das ondas não o havia afetado devido à sua má formação ou a algum outro fator. O fato é que ele havia estado escondido ali perto durante todo o tempo, observando e ouvindo tudo.
Ao contrário dos outros bípedes paralisados, este ser usava uma vestimenta muito puída e rasgada. Sua pele estava suja como o solo e seus pés, descalços e cobertos de bolhas. Carregava um saco na mão esquerda e, ao seu lado direito, um pequeno quadrúpede peludo o acompanhava.
Vi a expressão de pavor se transformar em alegria nas faces dos bípedes paralisados ao notarem aquele ser sujo se aproximando da máquina explosiva. Agora, eles tinham uma nova esperança; suas vidas dependiam daquele caminhante.
Era a primeira vez que alguma raça alienígena escapava das ondas Tátilus, e isso me fez parar a nave no éter e redobrar minha atenção ao que ocorria no planeta Sestian.
O caminhante puído avançou lentamente em direção à máquina, sempre olhando para o alto, provavelmente para confirmar que a ameaça não estava mais presente.
Ele estava a um palmo de distância do interruptor da MK455 quando cessou seus movimentos. Olhou ao redor, observando cada bípede paralisado, e então escalou a máquina com muito esforço. Sentado sobre ela, abaixou a cabeça e permaneceu em silêncio por alguns segundos. Em seguida, ergueu a cabeça com um semblante macabro e irônico e passou a dizer, em alto tom, aos paralisados:
“Vocês querem uma nova chance? Precisam da minha ajuda? Desejam um novo começo? Darei a vocês aquilo que me deram quando tiveram a chance!”
Após proferir furiosamente essas palavras, o bípede deformado desceu da máquina explosiva e rastejou na direção oposta àquela horda de seres paralisados. Notei uma expressão inexplicável de pavor mesclado com remorso e amargura surgir nas faces dos bípedes enquanto observavam o ser rastejante se afastando com seu companheiro quadrúpede.
Esse foi o fim do planeta Sestian. A MK455 cumpriu seu papel, como previsto, e transformou o planeta em pequenos fragmentos errantes do éter.
Retornamos ao nosso planeta natal após o sucesso da missão. Lá, após algumas pesquisas sobre o planeta destruído, descobri que, embora o chamássemos de Sestian, seus habitantes racionais – aqueles bípedes – o chamavam de planeta Terra.
Maio de 2013