Teletransporte - parte 6
— Dr. Richard, tem certeza que está bem? O senhor está me parecendo meio... "desligado".
Ele olhou a movimentação toda à sua volta, cientistas e pesquisadores brindando, falando em várias línguas diferentes, algumas que ele era incapaz de reconhecer. O que havia de errado? Em sua cabeça parecia muito lógico que ele também deveria estar compartilhando daquele mesmo estado de alegria, aquele mesmo comportamento contagiante de todos no laboratório londrino. Ele até sabia como entrar neste estado, se lembrava dele, haviam várias situações semelhantes registradas quimicamente em suas sinapses na forma de memórias felizes. Porém ele simplesmente não sentia necessidade de compartilhar esta alegria que via no rosto de todos.
— Ah, por favor, Dr. Richard!!! Sirva-se, vamos brindar! Parece até que não percebe a importância disto que conseguimos fazer? Principalmente por causa de sua ideia brilhante de compactar o DNA das células. Estamos criando aqui um marco divisório na história da humanidade: ANTES do teletransporte e DEPOIS do teletransporte. Se anime, por favor!
Mas não viu reações esboçadas no rosto de Richard. Começou a temer que, talvez, algum tipo de dano neurológico poderia ter ocorrido no processo. Iria sugerir posteriormente a ele um checkup geral para avaliação, mas... não agora! Agora ele queria comemorar o sucesso do experimento com os colegas. Queria Richard participando também, mas como ele parecia resistir, que poderia fazer? Deixou o cientista sozinho com seus pensamentos, se é que havia algum em sua cabeça naquele momento, e foi se afastando.
— Podemos bater um papinho com nossa cobaia, por favor? — dizia uma voz que saía de uma tela, originada do outro lado do Atlântico num laboratório em São Paulo.
— Vou chamá-lo aqui. Mas já aviso que o Dr. Richard neste momento não parece estar muito... receptivo.
— Como assim?
— Bom, vou tentar trazê-lo aqui, você vai entender... Dr. Richard? Dr. Richard? Poderia vir aqui trocar umas palavrinhas com o pessoal lá do Brasil? Dr. Richard?
Normalmente ele atenderia rápido. Mas desta vez demorou para responder aos chamados. Não que estivesse distraído. Na verdade reconheceu seu nome sendo chamado todas as vezes. Os fonemas captados pelos seus nervos auditivos chegavam à área de Broca, localizada no giro frontal inferior de seu cérebro. Sabia perfeitamente que aquela combinação de fonemas era uma representação sonora dele próprio, pronunciada quando alguém tentava solicitar sua atenção. Mas ele não sentia necessidade alguma de atendê-la, ou pelo menos demorou bastante para fazê-lo. O mais provável é que só tenha atendido na esperança que fazendo assim os estímulos sonoros cessassem, deixassem de provocar aquela cascata de sinais eletroquímicos em seu córtex cerebral. Se dirigiu à tela digital reconhecendo mais um rosto com uma expressão de alegria que ele era agora incapaz de compartilhar. Entender sim, ele sabia perfeitamente o que era a sensação de alegria. Mas, novamente, não conseguia pensar nela como algo além de memórias químicas de eventos pelo qual já havia passado antes.
— Sim?
— Sucesso, doutor!!! Nenhum resíduo orgânico sobrou dentro do casulo emissor! O senhor foi transferido integralmente, célula por célula!
Olhou inexpressivo para aquele outro rosto distante.
— Está tudo bem, doutor? Não está feliz? Sua ideia funcionou!!
— Eu esperava por isto... — respondeu com voz e cadência completamente monotônicas.
— Detectamos alguma radiação residual dentro do casulo, de origem desconhecida ainda. Mas... que importa, né? O senhor chegou aí inteiro e saudável! Teremos muito tempo ainda para descobrir o que foi esta radiação. Pretende comemorar hoje em algum pub londrino?
Richard olhou fixo seu interlocutor. Sem falar nada. Percebeu o desconforto dele ao ser encarado. Alguns segundos de um silêncio constrangedor.
— Vai comemorar, Dr. Richard?
Novamente sons insistindo em provocar aquela cascata de sinais eletroquímicos em seu cérebro. Sentiu que precisava responder algo para interrompê-la:
— Talvez... — novamente aquelas respostas em voz monotônica, dando as costas à tela logo em seguida, se afastando da fonte de estímulos que o perturbava.
— Cara, o doutor está meio estranho hoje. Eu te avisei.
— Não entendo! Ele deveria estar dando pulos de alegria!
— Pois é. Sabe, eu me pergunto aqui... — e baixa um pouco o tom de voz. — Será que não pode ter acontecido algum dano neurológico menor? Você também conhece bem o Dr. Richard, não é? Nunca o vi fechado deste jeito!
— Difícil ter acontecido. Checamos várias vezes aqui, não detectamos nenhuma falha na transmissão. O doutor que saiu daqui é exatamente o mesmo que chegou aí! Disso não temos dúvida!
— Talvez devêssemos fazer testes mais rigorosos com as cobaias orgânicas antigas, não é? Verificar se houve alguma mudança significativa de comportamento nelas.
— Torço pra que seja temporário. De qualquer forma, não faria mal um exame mais detalhado do nosso amigo Richard por um especialista, concorda?
— Eu ia sugerir exatamente isto a ele agora. Dr. Richard? Dr. Richard? Cadê você?
Olhou por todos os lados, sem localizá-lo.
— Dr. Richard? Alguém viu o Dr. Richard por aí?
Ele não estava mais lá no laboratório. Vagava sem rumo pelas ruas de Londres. Sem objetivo algum, sem nenhum destino planejado para onde desejasse chegar. Simplesmente caminhava...
* continua *