Manhã na cidade

A fila para o café naquela manhã fria de outono estava misericordiosamente curta; poucos pareciam dispostos a chegar ao balcão da lanchonete e não encontrar mais o produto.

- Menos gente hoje - comentou Russell de modo retórico, ao postar-se atrás do último cliente da fila, um homem de sobretudo cinza e gorro de lã, puídos. Sentindo-se interpelado, o sujeito virou para ele um rosto vincado de rugas e dois olhos de um azul desmaiado.

- Acho que ficaram sabendo da novidade - replicou.

E antes que Russell perguntasse do que se tratava, apontou para um cartaz preso pelo lado de dentro na vidraça da lanchonete. Ali, lia-se: "TEMPORARIAMENTE, ESTAREMOS SERVINDO APENAS CHÁ".

- Ah, isso... - murmurou Russell, sentindo-se enganado. - Não ouvi nada no rádio.

- Por que se dariam ao trabalho de divulgar? - O homem deu de ombros, parecendo conformado. - Talvez se divirtam com a nossa decepção...

- Verdade, creio que não se importam. Na verdade, não nos devem nenhuma satisfação.

Ambos os homens olharam para o céu cinzento, acima deles. Em meio às nuvens que cobriam a cidade parcialmente em ruínas, pairava um imenso dirigível branco, ostentando no leme um símbolo composto por três linhas horizontais vermelhas dentro de um círculo negro.

- Eles, provavelmente, devem ter café - filosofou Russell.

- Chá está bem para mim - disse o homem à sua frente sem virar-se.

Calaram-se. A fila estava próxima da entrada da lanchonete.

- [19-01-2021]