Teletransporte - parte 4

A cópia orgânica se materializou confusa dentro daquele casulo receptor, no laboratório de física de Londres. Lembrava-se bem de um nome, “Richard”. Sentia estar associado a estes fonemas de alguma forma, mas não compreendia em plenitude a natureza desta conexão. Os olhares espantados vistos através daquelas paredes transparentes reforçavam sua suspeita: “Richard??? Oh boy!!! You’re right!!!”

Abriram o casulo receptor, o retiraram lá de dentro. Precisavam fazer isto, pois ele perdera toda e qualquer vontade de tudo! De qualquer coisa! Apenas reagia a estímulos externos. Pressões e calores estimulavam suas terminações nervosas epiteliais, ondas sonoras invadiam os nervos auditivos dentro de sua cóclea, imagens atravessavam seu globo ocular através de suas pupilas, e estimulavam o tecido de sua retina enviando informações ao cérebro através dos nervos oculares. Esta enxurrada de dados sensoriais atingia o córtex, e provocavam uma reação ao atravessar suas conexões neurais combinadas ao registro químico de suas memórias nas sinapses, estimulando uma resposta aos estímulos externos.

— How are you, Dr. Richard?

— I’m fine. – ele se limitou a responder como simples reação aos estímulos auditivos externos.

“Eu estou bem”, ecoou a frase na segunda língua registrada em sua massa cinzenta. Estaria bem? Se sentia bem, seu corpo funcionava com precisão, o coração continuava batendo, o diafragma inflava seus pulmões com ar puro e expelia os resíduos metabólicos. Funcionalmente ele estava perfeito. Mas sua mente sentia um vazio indescritível...

— Londres confirmando: a amostra orgânica chegou intacta! – alguém responde em português claro, atendendo uma ligação ansiosa do outro lado do Atlântico.

— Are you hungry, Dr. Richard?

Por que estaria com fome? Obviamente sua última refeição parcialmente digerida havia sido transportada junto com ele, dentro de seu estômago. Matéria orgânica morta, inativa, muito mais facilmente transmitida que a viva que, aparentemente, também havia chegado lá sem problema algum! Então não havia sentido em perguntar se ele estava agora com fome. Sentia tanta fome quanto sentia ao ser teletransportado do casulo de origem. Nenhuma!

— Sucesso absoluto, doutor Richard! – ele ficou feliz de ouvir alguém falando em sua própria língua. Bom, não sua língua natal, mas há vinte anos pesquisando no Brasil já se sentia muito mais à vontade com a língua portuguesa do que com o próprio inglês, sua língua nata. Não sabia explicar como, mas ele até já pensava em português! Seus diálogos internos eram sempre nesta língua. Após 20 anos falando português, o inglês começava claramente a lhe soar como uma bizarra língua estrangeira.

Via todos alegres em volta. Até compreendia esta alegria! Mas não sentia esta alegria. Nem coisa alguma. Ele não sentia nada! Tristeza? Depressão? Não, mesmo isto seria sentir alguma coisa! Ele nada sentia. Era um corpo vazio. Vivo, pulsante... mas sem sentimento algum.

*** continua ***