O Viajante Imóvel

No cartão que Aydin apresentou ao guarda de segurança na portaria do laboratório, havia sido carimbado "voluntário" em vermelho. O agente encarou-o, comparando seu rosto com a foto 3X4 do documento.

- Voluntário, hein? - Indagou, como que para certificar-se. - Quantos anos você tem?

- Dezoito... senhor - informou. - É a idade mínima, não é?

- Sim - acedeu o guarda, devolvendo-lhe o documento e liberando a passagem para o edifício. - Mostre o cartão à recepcionista no hall de entrada. Ela lhe indicará para onde deve ir.

Atravessou um pátio cimentado que separava a portaria do laboratório, propriamente dito. Havia alguns carros estacionados ali, provavelmente de funcionários e nenhum deles particularmente novo ou chamativo; os salários pagos pela instituição não deviam ser dos mais altos. Abriu a grande porta de vidro da recepção e viu-se diante de um balcão semicircular por trás do qual estava uma mulher loura e magra, de cerca de 30 anos de idade. Ela examinou com atenção o cartão que ele apresentou, antes de perguntar:

- Você está ciente do trabalho que fazemos aqui?

- Sim - Aydin afirmou.

- E entende que após a alocação, talvez não tenhamos a chance de trazê-lo de volta?

- Sim; assinei todos os termos de responsabilidade na agência que me mandou para cá.

- Você não tem parentes? - Questionou a mulher. - Alguém que queira rever?

- Sou órfão - informou Aydin. - Não tenho ninguém que possa imaginar sentindo a minha falta, se não voltar.

- Certo - disse a recepcionista, aparentemente satisfeita. Escreveu a palavra "verificado" na beira do cartão e rubricou abaixo, antes de entregá-lo.

- Siga por aquele corredor à direita - apontou. - Entre na terceira sala à esquerda, com uma placa escrito "TRANSFERÊNCIA", e procure o doutor Maldonado.

Aydin fez como lhe havia sido dito. A sala de Transferência era ampla, bem iluminada, e cheia de equipamento eletrônico complexo; ao centro, havia uma cadeira reclinável, como a de um consultório de dentista, da qual emergiam fios e tubos. Vários técnicos de jaleco branco trabalhavam ali dentro, e um deles o encaminhou para Maldonado, um homem moreno, de cabelos negros penteados para trás. O cientista apertou a mão dele.

- Bem-vindo, Aydin! Estamos prontos para começar. E você?

- Acho que sim... - disse o rapaz, olhando ao redor com certa preocupação.

- Não tema! - Tranquilizou-o Maldonado. - O processo em si é indolor... ao menos, é o que todos os voluntários que recuperamos relataram.

Aydin tentou não imaginar o que poderia ter acontecido com os que não haviam retornado, mas era tarde para desistir. Depois de trocar suas roupas por um macacão cinza do laboratório, foi conduzido até a cadeira, onde reclinou-se confortavelmente e teve vários eletrodos fixados à cabeça e aos braços. Finalmente, a instrumentação eletrônica ao redor dele foi ligada e os técnicos afastaram-se à uma distância respeitosa.

- Pronto? - Indagou Maldonado, posicionando-se atrás de uma bancada.

- Pronto - confirmou Aydin.

- Quando a transferência for realizada, tente se manter imóvel por uns cinco minutos - explicou o cientista. - Pode olhar em torno, mas procure não se afastar da posição, ou talvez não sejamos capazes de trazê-lo de volta.

- Está bem - assentiu Aydin.

- Feche os olhos - ordenou Maldonado.

Aydin obedeceu, e sentiu um formigamento espalhar-se por todo o corpo. Em seguida, o ar ao seu redor tornou-se mais fresco, assim como a textura da superfície sobre a qual estava deitado, a qual sentiu como ondulada. Abriu os olhos. Aparentemente, ainda estava no mesmo lugar, mas ao virar-se para a bancada onde vira Maldonado poucos instantes antes, avistou uma mulher de óculos, cerca de 40 anos de idade, que pareceu surpresa ao vê-lo.

- Aydin? - Ela indagou, ajeitando os óculos no rosto e aproximando-se dele.

- Você não me conhece? - Indagou para ele.

A mulher lhe parecia conhecida, mas aquilo seria algo totalmente impossível.

- Você se parece... com a minha mãe - declarou o rapaz. - Mas ela morreu quando eu era criança.

- Eu tive um filho chamado Aydin. Ele morreu quando era adolescente - replicou ela. - Pouco mais novo do que você.

Os dois se encararam, sentindo como se as pontas de um fio partido estivessem sendo unidas outra vez.

- Eu... poderia ficar aqui? - Indagou o rapaz.

Ela balançou a cabeça afirmativamente, sorrindo.

- Se você quiser.

- Eu quero.

Os eletrodos foram removidos do seu corpo. A mãe lhe deu a mão e ele ergueu-se da poltrona.

- O que vai acontecer quando tentarem me levar de volta, para o lugar de onde eu vim? - Indagou ele.

- Não irão conseguir - declarou ela. - Você será dado como desaparecido.

E dando-lhe um abraço apertado:

- É para isso que pedimos voluntários, você sabe.

- [17-01-2021]