Teletransporte - Parte 1
Charles sempre seria um exemplo de experiência falha. Pouco faltava pra se tornar um verdadeiro mártir da ciência, um amontoado de cinzas orgânicas alertando que, apesar de todas as certezas consolidadas, alguma coisa ainda poderia dar errado. Seu corpo foi dissociado em seus vários constituintes materiais. Célula por célula desfeita, transmitida para a cápsula destino. Só não previram a quantidade enorme de informação, a possibilidade da velocidade do canal de transferência não ser suficiente. E por isto Charles foi desintegrado célula por célula, mas a informação necessária para reconstruí-lo do outro lado não pôde ser transmitida na velocidade adequada. Assim morreu Charles, vítima de uma malsucedida experiência de teletransporte, com todas as suas células pulverizadas incapazes de serem transmitidas ao casulo receptor, do outro lado do Atlântico...
— Não é necessário transmitir tanta informação... — disse algumas semanas depois, após passado um pouco a dor da grande perda.
— A quantidade de células no corpo é incomensurável, professor! Não dá pra transmitir todas, por melhor que seja o canal!
— E quem disse que precisamos transmitir todas?
O aluno não compreendeu em plenitude aquela afirmação, e por isso perguntou:
— Não precisamos transmitir todas?
— As células da pele por exemplo. São todas bem parecidas, não são?
O aluno tentava acompanhar o raciocínio do professor.
— Sim, o DNA garante isto...
— Na verdade o trecho de DNA atuante naquela especialização específica. Mas... continuemos! O que diferencia uma célula de pele da outra?
— Idade, tamanho... Fora isso, são idênticas.
— Está familiarizado com o conceito de compactação de dados?
— Estou me formando em biologia computacional, professor! Lógico que conheço a ideia de compactação de informação!
— É o que estou te explicando! Imagine, por simplificação, um organismo com 100 células de pele. Você precisa enviar a informação das 100 células?
— Elas são muito parecidas! Estaria enviando informação redundante...
— Exato!! E se eu enviasse uma única célula de pele? E a seguir apenas as diferenças das outras células para a original?
— Seria uma diminuição formidável de informação transmitida!
— Charles merece este nosso esforço, meu amigo!
A ideia fervilhava em minha cabeça! Todas as células do corpo seguem o mesmo DNA, não é? Cada qual toma um desvio específico, mas sempre codificável.
— Pela sua ideia, professor, é quase como que uma nova gestação simulada!
— Quase isto, garoto! Imagine um indivíduo amputado, sendo teletransportado. Não seria possível reconstruí-lo do outro lado com o membro perfeito? E=mc².
— Como professor?
— Matéria transformada em energia. É assim que funciona, não é?
— Sim, usamos a energia do próprio corpo sendo dissociado, para transmitir sua informação ao destino.
— Então se o indivíduo tem amputado um braço, ele precisaria desta quantidade de matéria convertida em energia para ser retransmitido completo do outro lado? Quanto pesa um braço amputado? 3, 4 quilos?
— Acho que sim!
— Precisaríamos de 3 ou 4 quilos de QUALQUER COISA!!! Ouro, diamante, carvão, água, pedra... Tanto faz! Quatro quilos de qualquer matéria, para transmutá-la do outro lado naquilo que quisermos!
— Charles morreu por isto...
— Charles morreu, sinto saudades dele! Mas sei onde ele errou, e vou tentar de novo!
— Sinto que fomos longe demais, professor. Não deveríamos parar aqui?
— Covarde!!! Não preciso de você. Se a ciência dependesse de pensamentos como os teus para avançar o mundo ainda estaria queimando combustíveis fósseis para se locomover...
*** CONTINUA ***