O Rosto Esfumaçado
12/01/2021
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Estava em uma estrada dirigindo um carro que não sabia qual era: antigo, mas possante e veloz. A estrada seguia por campos cuidados, plantados e verdejantes, mas lhe era desconhecida. Não sabia o seu destino. Ao longe, via uma pequena cidade, com a torre da igreja matriz vincando o céu. O caminho seguia até lá.
O dia estava ensolarado e quente, de verão e calor forte. Entrou na cidade, em baixa velocidade, olhando as ruas estreitas, de poucas árvores e pessoas; o silencio imperava. O calor as afugentava, deveria ser a hora mais quente, meio do dia, tórrida, fumegando a visão do asfalto derretido e brilhante da via a sua frente. Não sabia por que da sua ida lá?
Poucas pessoas sentadas nos degraus das portas de entrada das casas junto às ruas, o acompanhavam, mas não conseguia distinguir seus rostos, pareciam esfumaçados, sem definição! Estranhou.
Curioso, olhou para si no espelho retrovisor, viu que não era ele quem estava guiando, mas alguém que não conseguia distinguir, face esfumaçada também, e a cada movimento que fazia, a imagem se esvanecia em uma nuvem de minúsculos pontilhados coloridos, como um caleidoscópio.
-Sou eu? – falou, e a sua voz era um eco surdo e longo, como se estivesse dopado. Estremeceu com o que lhe acontecia. Qual o motivo para essa viagem?
Seguiu pelas ruas da vila, chegando à praça matriz, larga e arborizada, bem cuidada, limpa, com o sol iluminando-a profusamente, mostrando as nuances de cores e matizes daquela hora do dia.
Saiu do carro com andar pesado e lento, o chão se movia como em um barco, balançando-o. Estranho, o chão se move? O que acontece? , pensou vendo que, a cada passo dado fluíam como nuvens de pontilhados coloridos, deixando um rastro brilhante.
Sem sombras, sem sons, sem pássaros, sem vento, sem faces; estranho lugar!
Dirigiu-se, não sabia por que, algo o impelia, para um banco da praça onde havia uma única pessoa sentada, de capuz e roupa escura, quieta, estática como uma estátua. Ansioso e quase ao lado dele, com o coração batendo forte, pequeno arrepio lhe percorreu a espinha, pois como seria essa pessoa, também sem face?
Sentado inerte, com as mãos sobres as suas calças escuras, sem o olhar, diz para se sentar no banco com voz cavernosa. O seu rosto era como o de todos, esfumaçado, indefinido, flutuavam seus olhos, nariz, boca, sem conseguir identificar quem era se homem ou mulher!
-Não estranhe, aqui somos todos assim, sem face! - falou sem mover a cabeça.
-Por que as vejo assim?
-Por que você ainda não conseguiu se libertar.
-Libertar de quem, do que?
A pessoa se virou para ele com a sua feição flutuante e disse de forma incisiva, com as palavras saindo da sua boca indefinida como bolas de fumaça.
-De você!
Escutou, então, um barulho ao longe chegando forte. Aprumou o ouvido e viu que a pessoa, a praça, a cidade, tudo começou a se dissolver em um torvelinho pontilhado de cores, o som no seu ouvido chegando, chegando, e distinguiu ser o despertador que tocava...
Acordou encharcado de suor, coração acelerado e espantado pelo sonho que tivera. Olhou o relógio, sete horas, horário de levantar. Foi ao banheiro, preocupado se veria seu rosto ou se estaria ainda esfumaçado. Bateu-lhe o medo.
Olhou para as suas pernas e seus pés definidos, caminhando com passos firmes: estava reconstituído! Estaria sua imagem delineada no espelho?
Entrou no banheiro, olhou o espelho: o rosto esfumaçado!
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