MESSIAS
Messias
O dia estava normal naquela manhã, algum sol, nuvem e o despertador que não tocava, o despertador que n... – Ai, caramba ! vou perder o trem de novo ! Banheiro, café, roupa, elevador e rua em 12 minutos... – Mas, cadê a rua ?
Não que a rua tivesse realmente sumido. O espaço estava lá, as calçadas, o asfalto, as árvores, até as manchas no chão estavam presentes. Só não havia ninguém nas ruas, não havia gente e rua é, sobretudo, gente.
Depois de alguns quarteirões e lojas vazias, não dava para não perceber que algo grave ocorrera, tudo estava vazio, tão vazio que parecia a lua (se na lua existissem prédios); Na estação metroviária a coisa não melhorou, onde deveriam estar milhares, havia apenas o vácuo (aquele da lua).
Telefone, televisão, internet, nada funcionava, Augusto começou a se preocupar. Possivelmente deveria existir uma explicação razoável. Augusto não era do tipo de que se apavoraria no primeiro desaparecimento de todo mundo.
Súbito, um grande círculo dourado se formou na parede oposta à calçada onde ele estava, aquela com propaganda do banco que vai fud..., digo, ajudar você. A princípio ele não entendeu o que via, apenas observou a linha se formar, seu traço se incendiando como se tatuada por maçarico, só luz até se completar, viu ainda seu centro ser sugado em uma coleção de cores e de dentro daquele novo espaço, sair alguém ou algo.
Augusto imóvel estava e assim ficou.
O recém-chegado o observava calmamente, vestia uma túnica da cabeça aos pés, com óculos protetores e máscara, passava por humano em função de suas pernas e braços, Muitos de nós também somos confundidos como humanos pela mesma razão: membros.
Nem um pouco constrangido, o “moço” falou com voz abafada:
- encontrei mais um, só um, sim vou levá-lo. Não falava com Augusto, quando então, atravessou a rua para, inesperada e calorosamente, o cumprimentar.
- Bom dia, meu jovem.
– Bom dia, senhor. Augusto parecia extremamente formal em seu paletó verde combinado com a gravata cinza-claro e os sapatos pretos antecedidos por meias novas.
- Você precisa de respostas, eu suponho. Afirmou o estranho.
– Senhor, no momento faltam-me até as perguntas. Uma presença de espírito incomum ao nosso solitário Augusto, talvez devido à tensão. O outro “humano” riu descontraído.
- Não se preocupe – disse - vamos lhe contar tudo, apenas me acompanhe, por favor – e já foi tomando a direção do buraco surgido há pouco.
-Para a parede ? - perguntou assustado nosso Augusto.
– Claro, bem, não é mesmo uma parede, não mais, pense nela como um portal, mas vamos, é necessário atravessar esse limite.
- Certo, posso apenas fazer uma pergunta antes ?
– Ora, já estamos evoluindo, não ? Você nem tinha perguntas há segundos . E riu.
Augusto gostava de sorrisos e retribuiu o gesto antes de questionar:
– Onde estão as pessoas todas ?
- Uau, essa é “A” pergunta. Logo você entenderá, por agora só posso dizer que estão todas bem, mas vamos antes que o portal se feche, é um trabalhão abri-lo.
Augusto, cordial e mansamente, seguiu seu anfitrião, pois, na falta de coisa melhor pra fazer, entrou naquele útero de pedra. Um túnel, muitas luzes, saíram na mesma rua em que estavam antes, exceto pelo movimento inteiramente comum, tudo estava como deveria estar: pessoas, carros passando, vozes, cachorros, gente.
- Mas, mas.... balbuciou.
– Sim, meu caro, as pessoas estão bem e estão aqui, vivendo normalmente.
- Onde estamos ?
– É simples, você foram realocados em um planeta-clone, o antigo estava muito desgastado, com pouca ou nenhuma esperança de reabilitação, algumas pessoas simplesmente ficam pra trás, é uma falha pequena do programa Messias, por isso nós as resgatamos individualmente, como foi o seu caso.
Disse tudo isso com muito tranquilidade e uma certa pachorra, pode-se dizer.
Augusto levou alguns minutos até a informação se concretizar, enquanto se afastava para dar passagem a um ou outro transeunte, nesse intervalo notou que seu “mestre” não era objeto da curiosidade de ninguém (invisível ? anotou mentalmente).
- Programa Messias ? Quem são vocês ? - Perguntas bastante razoáveis para o momento.
- Pense em nós como guardiões, seus anjos-da-guarda, quando alguma coisa está muito errada nos mundos, nós intervimos, alteramos, transformamos, enfim... damos um jeito na bagunça, a esse processo específico de realojamento integral batizamos de Messias, poético não ?
“Todos esperamos o Messias que logo virá”, pensou Augusto, sem nenhuma razão para se lembrar das palavras de seus pais e professores da catequese.
- Sim, bastante poético - respondeu – há algum prejuízo, quero dizer, alguém morre no “processo” ?
- Geralmente não, já fizemos isso muitas e muitas vezes e somos muito competentes nisso; Mas chega de conversa, você está entregue e tenho que buscar outros, posso ajudar em mais alguma coisa?
- Como assim? como vou explicar isso ? Ninguém vai acreditar...
- Não se preocupe, em 05 minutos ou menos você não se lembrará de nada e viverá sua vida tranquilamente, vocês ganharam um planeta novinho, aproveite bem.
– Eu não quero esquecer - disse um Augusto transtornado - ao contrário, quero fazer parte disso, como você.
- Infelizmente, meu amigo, receio que seja impossível, você está na raça e planeta errados, não recrutamos aqui, lamento, Coisas relacionadas com evolução e essa história toda, você sabe, em todo caso, foi um prazer conversar com você, tão calmo, tão disposto a ajudar.
Dito isso, se virou, anotou algo na caderneta que veio do bolso de sua roupa e entrou no portal que se fechou quase que imediatamente às suas costas - um profissional, é preciso admitir - Augusto sorriu, puro nervosismo, e tentou organizar a situação.
Quando se deu conta, notou que estava muito atrasado para o trabalho, parado no meio de tudo, um tonto nesse mundo de tontos. Saiu correndo, esbarrando sem equilíbrio na parede excessiva e estranhamente quente. Foi cuidar de sua vida, respirando um ar profundamente despoluído.
Olisomar Pires
Enviado por Olisomar Pires em 27/04/2016