A subcontratação
Jo Mara reuniu sua equipe no refeitório da "Jabulon-II", um dos poucos lugares da nave que poderia servir como sala de reuniões. No ambiente apertado e mal iluminado, rostos em expectativa a fitavam; todos sabiam que aquele não era um serviço comum, e a líder do grupo não dera muitos detalhes sobre a execução do mesmo. Ao menos, até aquele momento.
- Devem estar estranhando que tenhamos vindo participar de uma licitação para desbloquear um artefato usado pelo Império - principiou ela. - Bem, achei que já era hora de diversificar as nossas fontes de receita, até porque a arqueologia por contrato está em baixa no momento.
Em Tammor, o engenheiro de voo, ergueu a mão. Como era o responsável pelos veículos e equipamentos usados pelo grupo, sentia-se quase que na obrigação de sugerir trabalhos alternativos; raramente era ouvido nesse contexto, contudo.
- Gostaria de parabenizar a sua atitude - saudou o engenheiro. - Mas o Olho de Agothar não está um pouco além do nosso trabalho rotineiro? Pelo que me lembro, o Império tinha uma divisão inteira de paratecnologia dedicada ao desenvolvimento do dispositivo.
- Sim, estou ciente disso - afirmou Jo Mara. - Tecnicamente, não temos expertise para lidar com esse tipo de quebra de proteção; mas, acontece que não vamos precisar fazer a parte mais difícil do trabalho. Kah Summ, o exorcista, está aqui, em Kobana Tal, justamente para nos ajudar nessa parte; ele chamou o serviço de "fácil".
- Kah Summ é um concorrente, não vai nos ajudar - duvidou a xenobióloga Ro Jamm, que fazia às vezes de médica de bordo.
- Ele não sabe que vai nos ajudar - redarguiu Jo Mara. - E não vamos ficar para a abertura dos envelopes, nosso trabalho tem que ser concluído antes disso. Se não obtivermos sucesso, é melhor mesmo partir antes que nos expulsem como farsantes.
- Deixe ver se entendi... - prosseguiu Ro Jamm. - A missão é quebrar a proteção do Olho de Agothar... e dar o fora?
- Sim, é para isso que fomos contratados - admitiu Jo Mara. - Nosso cliente, que prefere manter-se anônimo, deseja apenas ser informado quando o dispositivo estiver liberado.
A equipe entreolhou-se, desconfiada. Obviamente, Jo Mara estava escondendo algo deles, o que não era muito comum.
- O cliente vai nos pagar 30 mil créditos - acrescentou ela, como incentivo.
- É um bom dinheiro para não ter que sujar as mãos de terra - opinou Tah Kush, o prospector da equipe.
Ahn Duhn, arqueólogo assistente, ergueu a mão, pedindo a palavra.
- Mas Jo, se concluirmos o trabalho com sucesso, o que nos impede de ganhar a concorrência e levar os 30 mil créditos que os rorqalinos estão oferecendo?
- Boa pergunta! - Aprovou Em Tammor.
Jo Mara suspirou. Alguém fatalmente iria fazer aquela pergunta...
- O cliente pretende desviar esse Olho de Agothar para uso próprio. Mas para isso, ele tem que estar desbloqueado...
Mais trocas de olhares desconfiados.
- Quanto vale um Olho de Agothar, desbloqueado? - Inquiriu Ro Jamm, olhando ao redor.
- Mais de 500 mil créditos, pela última cotação que vi - replicou Ahn Duhn.
Seis pares de olhos cravaram-se em Jo Mara.
- Vamos receber 30 mil para roubar algo que vale pelo menos 500 mil para o contratante? - Questionou Ro Jamm, encarando Jo Mara.
- Roubar é uma palavra muito forte... - contemporizou a arqueóloga.
- Para todos os efeitos práticos, é do que se trata - insistiu Ro Jamm com veemência. - Vamos deixar a porta da frente destrancada e avisar ao interessado que pode invadir a casa! Não importa se colocamos ou não o Olho de Agothar no porão de carga e damos o fora do planeta, o resultado final será o mesmo.
Jo Mara amaldiçoou mentalmente Pah Tamor por haver lhe colocado naquela situação embaraçosa. Mas, como líder da equipe, tinha que pôr um ponto final na discussão.
- Me escutem, por favor! - Solicitou, erguendo as mãos. - A verdade é que só vamos ganhar algum dinheiro nessa história trapaceando, seja usando as técnicas de Kah Summ para ganhar a licitação ou para facilitar o acesso do nosso contratante ao Olho de Agothar. Se vocês querem ganhar dinheiro honestamente, então melhor desistir desse contrato!
Fez-se silêncio, enquanto os presentes refletiam sobre as palavras de Jo Mara. Finalmente, Ahn Duhn ergueu a mão.
- E se nós deixarmos as coisas seguirem o seu curso natural? Pela lógica, Kah Summ vencerá a licitação, mesmo se cobrar mais caro; é a questão do notório saber. Nós não teríamos acesso ao Olho de Agothar e sairíamos do planeta tão pobres quanto chegamos, mas com nossa dignidade intacta.
Jo Mara semicerrou os olhos.
- Sairíamos do planeta 30 mil créditos mais pobres, na verdade - replicou.
A discussão foi interrompida pelo zumbido do comunicador. Jo Mara estendeu a mão e apertou um botão no console da parede ao seu lado.
- Jo Mara - identificou-se.
- Yv Tahr - disse uma voz masculina no alto-falante. - Você é a líder do grupo que se inscreveu hoje, na licitação do Olho de Agothar?
- Sim, eu mesma.
- Pois tenho uma proposta para si - prosseguiu o interlocutor. - Cinquenta mil créditos se quebrar a proteção do artefato antes do seu concorrente.
- Partindo do pressuposto que aceitemos, como sabe que poderemos dar conta do recado? - Questionou a arqueóloga.
- Você não foi aprendiz de Pah Tamor? - Retrucou o homem em tom irônico.
[Continua]
- [22-12-2020]