Licitação em Rorqal

O console de comunicação emitiu um bipe, uma lâmpada vermelha começou a piscar. Jo Mara virou-se em seu assento e apertou um botão. Uma imagem holográfica surgiu sobre a base do projetor, no centro da cabine de pilotagem da nave alugada; ela reconheceu o homem em trajes pardacentos de mercador mozaliano como sendo Pah Tamor. Ele olhou ao redor com ar crítico.

- Ainda voando em naves de aluguel, Jo Mara? - Questionou, braços cruzados.

- Digamos que não tenho conseguido lucrar o suficiente para poder investir num veículo próprio - justificou-se ela, sem se abalar.

- Não consegue porque não quer - atalhou Tamor. - Você poderia estar lucrando milhares de créditos por ciclo, mas se contenta com migalhas!

- Melhor o pouco dentro das normas, do que o muito de origem escusa - retrucou Jo Mara de modo altivo. - Ao menos, estou conseguindo pagar as contas.

Pah Tamor balançou a cabeça, contrafeito.

- Não sei realmente onde falhei com você, Jo Mara. Você foi uma das minhas alunas mais promissoras, alguém destinado à fama e glória... e o que vejo agora é que se contenta apenas em quitar boletos!

E apontando o indicador para ela.

- Se não for por você, faça pela sua equipe! Aposto que eles também esperam algo mais do que meramente quitar os carnês no fim do ciclo!

Pah Tamor sabia onde acertar seus golpes, Jo Mara teve que reconhecer. Suspirou.

- O que posso fazer por você, Pah Tamor?

O mozaliano descruzou os braços, aparentemente mais descontraído.

- Rorqal-IV; preciso colocar alguém da minha confiança lá, alguém que tenha ficha limpa. Você seria perfeita.

- Percebo - avaliou a arqueóloga, sobrolhos erguidos. - Mas se as autoridades de Rorqal souberem que tenho algum vínculo com você, provavelmente me mandam para a cadeia - junto com minha equipe.

Pah Tamor fez um gesto, minimizando a possibilidade.

- Eu treinei você, Jo Mara; vai dar conta da missão com um pé nas costas. Mas tem que chegar lá antes de Kah Summ.

Jo Mara franziu a testa.

- Kah Summ está envolvido na história? Bem, não sei quanto pretendia me pagar originalmente, mas pode dobrar o valor; já ouvi histórias realmente sinistras sobre esse sujeito.

- Interessada? - Indagou Pah Tamor, mãos nos quadris.

- Curiosa - admitiu Jo Mara.

* * *

A "Jabulon-II", um velho cargueiro tarok convertido em transporte fretado, pousou em meio a uma nuvem de poeira no espaçoporto de Kobana Tal, capital planetária do sistema Rorqal. Um robô da autoridade portuária aproximou-se para conferir o manifesto da nave.

- Somos arqueólogos por contrato - resumiu Jo Mara ao desembarcar à frente do seu pessoal. - Poderia nos indicar o departamento do governo local que lida com licenças para a nossa atividade?

- Se vocês vieram pela licitação do Olho de Agothar, estou enviando as coordenadas para o computador da sua nave - replicou o robô, após um exame superficial do manifesto. - Fora isso, arqueólogos por contrato não são exatamente bem-vindos a Rorqal; já tivemos muitos problemas no passado com gente que se passava por eles.

- Bem, sim... estamos aqui pela licitação - replicou Jo Mara. - E também vamos precisar alugar um veículo de superfície para transportar nosso material...

- Posso providenciar isso - afirmou o robô. - Mas antes você, como líder do grupo, deve se registrar na repartição cujas coordenadas enviei. Os demais terão que esperar aqui até o seu retorno.

Um castigado veículo automatizado da autoridade portuária, com dois lugares, aproximou-se do cargueiro, piscando preguiçosamente os giroscópios azuis. Jo Mara olhou para sua equipe com um ar que esperava fosse de despreocupação, e disse que estaria de volta logo. Embarcou no veículo e sentou-se no banco que parecia mais limpo; o transporte, equilibrando-se sobre suas duas rodas, disparou pelas ruas estreitas da cidade, bastante movimentadas àquela hora do dia. Veículos de passageiros com duas rodas pareciam estar na preferência dos locais, embora para carga fossem utilizados transportes sobre antígravos, como era comum em quase toda a Galáxia.

Poucos minutos depois, com o sol central do sistema Rorqal (uma distante estrela classe F) a pino sobre sua cabeça, Jo Mara viu-se diante das escadarias de um imponente edifício de arenito vermelho quase no centro da capital.

- Palácio dos Rituais - anunciou o veículo, abrindo a porta ao lado de Jo Mara para que ela desembarcasse. - Procure Zandor no terceiro nível, sala 302.

- Zandor - repetiu Jo Mara para gravar o nome.

Nem começara a subir as escadarias quando um outro veículo de duas rodas parou em frente ao Palácio; mas este, além de ser obviamente novo, transportava dois passageiros. Um deles, Jo Mara reconheceu logo ao desembarcar, pelas vestes negras e correntes prateadas de zerílio que pendiam do seu peito: tratava-se de Kah Summ, o exorcista.

[Continua]

- [18-12-2020]