Oferta de ocasião
O landspeeder vermelho estava bem castigado; certamente, havia tido uma longa vida útil transportando passageiros e sabe-se lá mais o quê, naquele planeta desértico nos confins da Galáxia.
- Quanto quer por essa sucata? - Indaguei ao vendedor da agência de usados, um ciborgue com um braço metálico terminado numa ameaçadora garra com três dedos, além de um olho biônico que brilhava num tom sinistro de vermelho.
- Vale quatro mil créditos - afirmou ele, sem pestanejar.
- Essa pilha de lixo vale quatro mil créditos? - Repeti, com desprezo. - Escute, desde que lançaram o X-38, a demanda pelo X-34 caiu vertiginosamente; não preciso acessar o Boletim de Seminovos para saber disso!
O ciborgue levou a mão do braço humano ao queixo e me lançou um olhar especulativo.
- Você falou bem: Boletim de Seminovos. Acontece que esse X-34 não é um...
- Admiro sua sinceridade - repliquei, apertando o capô do veículo com a mão espalmada. Os antígravos reagiram, compensando automaticamente a pressão; ao menos isso ainda parecia em ordem.
- ... é uma peça de colecionador - concluiu o vendedor. - E quatro mil créditos por ele são uma pechincha. Como você foi um combatente da Aliança, dou-lhe 5% de desconto por ter nos ajudado a nos livrar dos sanguessugas do Império.
De fato, eu ainda usava meu velho macacão de piloto da Aliança, pois isso ocasionalmente me rendia alguns descontos e bebida grátis nas tavernas; mas, na verdade, durante a guerra contra o Império, eu apenas pilotara cargueiros transportando peças de reposição entre uma base rebelde e outra. É surpreendente como o medo de morrer pode nos transformar em pilotos hábeis em fugir de confusões, e nesse quesito eu certamente era um dos mais rápidos da Galáxia.
- Bem, sim, fiz muito destróier imperial comer poeira - relembrei, subitamente sentindo-me nostálgico. - Mas o que esse X-34 tem de especial?
O ciborgue acariciou o capô enferrujado do landspeeder, como se fosse de estimação.
- Ele pertenceu a um importante comandante da Rebelião... que viveu aqui, neste planeta. Deve saber a quem estou me referindo.
Eu nunca fora muito bom em gravar nomes; quem, de alguma importância na Rebelião, haveria nascido naquela bola de poeira? Mas não quis passar por ignorante.
- Sim, naturalmente que sei - assenti gravemente. - Então, são 3.800 créditos pelo X-34?
- Fora a pintura desgastada pelos sóis gêmeos, o landspeeder está em perfeito estado de conservação - garantiu o ciborgue. - Como vai ser o pagamento?
- Transferência eletrônica pelo Banco da Galáxia - repliquei, estendendo minha mão sobre o terminal de biometria holográfica.
* * *
Jo Mara estava trabalhando com sua equipe de arqueologia numas ruínas no deserto, ao norte do astroporto. Foi para lá que dirigi o castigado X-34, e parei bem em frente às tendas de campanha com uma curva graciosa. Jo Mara ergueu os olhos de um pedaço de metal semienterrado na areia e me encarou, perplexa.
- De onde você desenterrou isso? - Indagou, aproximando-se do landspeeder.
- É uma relíquia! - Declarei orgulhosamente. - Pertenceu a um grande comandante da Rebelião, oriundo deste planeta!
Jo Mara balançou a cabeça, ar de pena.
- Diga... quanto pagou por isso?
- Com desconto, 3.800 créditos.
Ela balançou a cabeça.
- Certo. Espero que esteja funcionando perfeitamente, pois não vale nem 2.000, para ser muito sincera.
- Mas é um veículo histórico... - tentei argumentar.
Jo Mara ergueu ambas as mãos. Parei de falar.
- Sim, houve um comandante da Rebelião que residiu neste planeta, e ele realmente possuía um X-34, - explicou ela pacientemente - o qual foi comprado há muitos anos e levado para um museu, na capital da Nova República. Mas sempre há algum vendedor espertalhão fazendo os incautos de otários, empurrando essas sucatas como se fossem a coisa verdadeira!
Engoli em seco. Eu acabara de pagar pelo menos 1.800 créditos a mais do que o veículo realmente valia.
* * *
Com Jo Mara no assento do carona, entrei com o X-34 na agência de usados ao lado do astroporto. Ao me reconhecer - ou mais provavelmente, ao veículo - o ciborgue aproximou-se com cara de poucos amigos.
- Ei, piloto! Não aceitamos devoluções!
Jo Mara ergueu a mão na direção dele e disse num tom de voz calmo:
- Você acaba de perceber que vendeu o veículo histórico verdadeiro para este piloto.
O ciborgue lançou um olhar estúpido para nós. Depois, curvou-se sobre o X-34, passando a mão humana sobre o capô.
- Você... quer vender esse X-34? - Indagou, subitamente humilde.
- Acha que vale uns 3.800 créditos? - Jo Mara me perguntou.
- Vale até mais... - comecei a dizer, mas Jo Mara tapou minha boca.
- O landspeeder está à venda por 3.800 créditos - anunciou Jo Mara.
- Ficarei muito feliz em pagar - assentiu o ciborgue, abrindo um imenso sorriso.
Transferência efetuada, saímos da agência a pé, mas ao menos eu havia recuperado meu investimento.
- Como você fez aquilo? - Indaguei finalmente para Jo Mara. - Parecia bruxaria...
- Um velho truque de controle mental - minimizou ela. - A gente aprende muita coisa desenterrando o passado, você sabe.
Tudo o que eu podia fazer em retribuição, era pagar-lhe uma bebida num bar para viajantes em trânsito no astroporto. Com desconto, naturalmente.
- [12-12-2020]