A MISSÃO TELÚRICA

• Traduzido do idioma geral telúrico, em palavras e expressões onde é possível fazê-lo.

O grande encouraçado irrompia pelos limites do sistema desejado. O equipamento, de dimensões incompreensíveis quando se imagina uma forma de transporte, havia percorrido, com seu formato circular e velas abertas por cima e por baixo da estrutura, cerca de seiscentas narclons até aquele momento. A nave era comandada pelo Irk Homa Sampza, e seguia na vanguarda de uma frota de cento e sessenta unidades interestelares, contando com encouraçados, cruzadores e fragatas, por assim dizer. Cada exemplar daquela civilização ocupava um lugar e um afazer em cada um dos aparelhos.

Era uma situação estranha para aquele povo, pois, apesar de seus membros sempre saberem que a exaustão do próprio planeta era algo previsível e inevitável, uma vez que toda forma de vida, e os ambientes que os envolvem, um dia chegam ao fim.

Eles haviam se preparado para isso, disso não resta dúvida, pois há muito singraram a mesma distância, algo que se pode fazer apenas uma vez a cada ciclo de vida, em busca de um porto seguro. Diferente do senso comum, a possibilidade ideal de acomodação de vida é algo bastante raro no universo.

O referido ciclo de vida é um fato, mesmo para aquela civilização. Toda sociedade evolui até um determinado momento até que, subitamente, retrocede em algum ponto crítico, talvez por alguma causa natural ou até mesmo por uma catástrofe gerada pela própria evolução tecnológica.

A civilização migratória já havia experimentado oito ciclos de vida. Eles tinham plena consciência disso, uma vez que haviam alcançado um nível de compreensão universal que transcendia a ignorância acerca de que a possibilidade evolutiva da própria espécie não era algo linear e sim uma vertente que atingia um ápice, eclodia e retornava para um novo ciclo. No entanto, era a primeira vez que o próprio mundo rumava para um irreversível final.

Numa era remota, eles já haviam estado no mesmo lugar para onde se deslocavam agora. A civilização, numa dessas jornadas em busca de um base futura segura, alcançou o quinto planeta a partir da estrela daquele sistema solar. O local apresentava uma sociedade até certo ponto evoluída, com avanços tecnológicos consideráveis, levando em consideração o nível rudimentar de suas possibilidades.

As civilizações interagiram e buscaram um crescimento mútuo com o intercâmbio de recursos intelectuais, sociais e de tecnologia. Mas, em pouco tempo, no que se refere à evolução, os habitantes do quinto planeta entraram numa sangrenta e devastadora guerra civil, levando ao colapso do mundo. O planeta foi implodido devido ao nível de complexidade e devastação das armas utilizadas. Os navegantes siderais a tudo assistiram de sua base fixa no satélite natural do planeta vizinho.

O encouraçado cruzou há pouco o cinturão de asteróides, tudo o que restou do planeta. Uma triste e muda lembrança para os planetas desabitados em suas fronteiras. Homa Sampza, de sua cabine de comando, se recorda que o povo que representa jurou jamais cometer o mesmo erro novamente.

Assim, quando rumaram para uma nova tentativa no terceiro planeta a partir da estrela, encontraram um lugar diferente. Formas de vida instintivas e com pouco domínio de habilidades cognitivas se espalhavam por todos os ambientes. A espécie piloto do local ainda engatinhava em sua jornada evolutiva. Então, a civilização visitante apostou numa tentativa de salto para o que seria necessário algumas eras num curso normal.

As espécies locais similares e brutas sofreram uma seleção, de modo que na escolhida fora introduzida uma cepa matriz do ácido desoxirribonucléico dos visitantes, estimulando uma aceleração evolutiva.

De sua nova base no lado obscuro do satélite, os viajantes observaram o desenvolvimento da sociedade emergente. Eles desejavam obter um local seguro para o caso de um futuro apocalipse, mas eram totalmente contra o extermínio das espécies locais para isso. Com esse pensamento, o desenvolvimento nativo era estimulado visando uma harmoniosa convivência, sem que isso significasse um domínio de um sobre o outro, o que ocorreria no caso de diferenças tecnológicas gritantes.

A nova espécie dominou e se espalhou por cada canto do mundo. Obviamente, os visitantes interferiram de modo pontual em algumas oportunidades. Como dito, toda espécie experimenta diferentes ciclos de vida, com esta não seria diferente. Eles alcançaram o próprio ápice em diversas oportunidades, onde chegaram a ostentar gigantescas estruturas de pedra nas quais energia termoelétrica era disponibilizada pelo ar para todo o planeta. Grandes cidades foram erigidas. A comunicação e a interação fluiu a nível global e imediato. Mas os ciclos chegavam ao fim e reiniciavam, muitas vezes com as lembranças dessas eras marcadas apenas como lendas. Até mesmo a presença e ação dos navegantes passou a ser vista apenas como histórias livres de verdade.

Os visitantes, em certo momento, tiveram o cuidado de utilizar os ganios sônicos de suas estruturas móveis para manipular o eixo gravitacional do planeta, de modo que possibilitasse um ambiente mais favorável ao desenvolvimento de seus protegidos, e, ao mesmo tempo, reservar toda a porção meridional do planeta para eles mesmos, para o futuro, em caso de necessidade. Para tal, a porção escolhida fora cuidadosamente engendrada para que o gelo o revestisse e resguardasse da curiosidade cada vez mais insinuante da espécie local.

Obviamente, as ramificações expoentes do planeta perceberam as ações dos visitantes, mas, por escolha própria, e de forma correta, decidiram manter tais interações longe dos olhos comuns. A sociedade já não era a mesma. O diferente já não era mais visto como divino, e sim como ameaçador e maldito. A sociedade local, com a ajuda discreta e necessária, saltava tecnologicamente num piscar de olhos.

A base no satélite fora mantida, funcionando de maneira básica, era verdade, pois muitos que ali trabalhavam retornaram com a missão cumprida para o seu planeta natal. Os que ficaram tinham a tarefa de intermediar o retorno dos conterrâneos para o refúgio prometido, em caso de necessidade, na extrema urgência de um colapso no mundo localizado há muitos narclons dali. Algo que acontecia exatamente naquele momento, com a aproximação da nave de Homa Sampza.

O encouraçado já conseguia recarregar as velas na luz amarela da jovem estrela do sistema local. As células fotoenergéticas das estruturas convertiam a radiação em combustível. As unidades intergalácticas eram auto-sustentáveis nesse aspecto. Conseguiam recolher a energia imanente do universo em víveres para suas estruturas. Essa necessidade era legítima, pois quase uma vida inteira passaria até que a grande distância fosse vencida. Jovens amadureciam e velhos morriam. Profissionais eram capacitados e famílias moldadas. Tecnologia era desenvolvida. Tudo continuava a fluir ao longo do percurso.

Homa Sampza contornava a grande nebulosa e preparava a aproximação do novo lar, mas não conseguia contato com a base no satélite do planeta.

Os sensores da nave pareciam colapsar ao passo que o Irk tentava a todo o custo contatar tantos os colegas locais quanto a frota que seguia há alguns narclons atrás. Ambas as tentativas sem sucesso.

Desorientado, ele baixou uma das seções da escotilha frontal, mesmo correndo o risco de contaminação pela radiação da estrela. Ao longe, em meio à escuridão, ele percebeu um pequeno ponto cintilar. O ponto crescia de forma considerável e rápida e gerava um improvável estrondo no espaço, apesar de, teoricamente, o exterior ser incapaz de propagar o som. Como aquilo era possível?

O Irk do encouraçado, Homa Sampza, descobriria numa fração de tempo o que seus colegas no satélite descobriram há muito de maneira trágica e cruel. Seus protegidos haviam superado sua própria tecnologia, porém, ao contrário destes, a nova espécie era terrivelmente egoísta, não pensava nas demais, lutava entre si e de maneira alguma aceitava dividir.

E pensar que fisicamente eram tão parecidos...

O facho brilhante alcançou a imensa estrutura interestelar e, em pouco tempo, uma nuvem de poeira invadiu a órbita do planeta.

Sávio Feudazol
Enviado por Sávio Feudazol em 11/12/2020
Reeditado em 11/12/2020
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