NOVO MUNDO

Eles aparentavam ser gêmeos, como duas partes siamesas do mesmo recipiente, pareciam simbióticos, completamente despidos, desacordados, caídos às imediações de uma árvore, árvore única, em meio a um campo que parecia nunca ter sido vivo, de material orgânico ou inorgânico desconhecido, rodeado de nuvens de fumaça, parecia onírico, surreal, fabuloso e ao mesmo tempo assustador.

A árvore era imponente, tronco grosso com fissuras que cabiam dedos inteiros em seus sulcos, oferecia longos galhos retorcidos, folhas escassas, folhas de um verde musgo outras marrons, desvanecendo como no outono.

Via-se entre as folhas um fruto, vermelho pulsante como sangue recém jorrado. Estava semi escondido, apesar da coloração, este passava facilmente despercebido por olhares desatentos.

Provavelmente não passariam pela sagacidade das crianças, que acordavam do seu sono inocente, despidas, puras como anjos, logo se deram conta da fome e da solidão que compartilhavam.

E sem precisar de nenhum esforço ou comunicação, colocaram-se de pé e encontraram em seus olhares uma fruta, única, sozinha, despida como ambos. Utilizaram para saciar sua fome.

Não era uma fruta.

O mais despercebido dos leitores já entendeu que existe algo mais.

Quisera eu poder dizer a complexidade daquele objeto carnoso e pulsante, apenas adianto que este trazia em seu palatável gosto de uma forma inconcebível para mentes simplórias, todo conhecimento sintetizado do universo.

Segredos nunca alcançados por diversas raças. Níveis de utilização cerebral, conhecimentos sobrenaturais, manipulação de ciências, compreensão além do alcance entendível.

E de inocentes tornaram-se cientes, tornaram-se Deuses.

Os pequenos Deuses brincaram de criação, o conhecimento lhes deu condições inimagináveis de existência, e de repente não havia só uma árvore solitária.

Todo processo de gênese da história do universo se encontrava ali, gases, explosões, fusões, fissões, uma dança celeste primordial e as consequências advindas destas: o inorgânico e o orgânico, o vislumbre do nascimento da vida.

Pequenos seres microscópicos, de aparência inanimada evoluíam, obedeciam regras e tendências sobrepostas, adaptavam-se, nada surgia pronto, tudo evoluindo constantemente, tudo vertendo numa direção própria e extremamente particular, em consonância com o ambiente.

A concepção dos pequenos Deuses era que o livre arbítrio seria o imperativo e nada mais justo que as coisas evoluam e se direcionem na medida em que deveriam ou poderiam evoluir, que o caminho em busca do conhecimento pudesse ser real, pudesse ser natural.

Não era explicitamente dito, mas havia uma necessidade particular também dos deuses, seja um sadismo no brincar ou mesmo para extirpar a solidão que os acompanhava desde sempre. Não se podia identificar com total certeza, quem sabe um pouco de cada, quem sabe outra coisa ou sentimento novo. Talvez eles também estivessem evoluindo.

Nem tudo saiu como esperado no peculiar zoológico evolutivo que eles criaram, o livre arbítrio tem consequências tão inimagináveis quanto a extensão de poderes dos deuses.

Em certo momento da evolução, animais se sobrepuseram aos demais na cadeia alimentar, houve um descontrole na evolução, não havia caminho, o imperativo era a alimentação compulsória, e por um momento tudo parecia ruir.

O projeto perfeito que levaria a compreensão do mundo e possivelmente a compreensão de si próprios que os deuses propunham estava em migalhas. E talvez a primeira divergência em milênios surgiu. O que fazer?

Um dos deuses com os punhos cerrados não escondeu o descontentamento e definiu que seria a hora de reiniciar, talvez mais regras fossem necessárias, talvez novas complexificações fossem bem vindas, quem sabe fazer um universo 02 a partir dali.

O outro insistiu que mantivessem o curso das coisas, que a partir das consequências algo de proveitoso poderia surgir e que serviria de aprendizado a todos.

As condições foram colocadas na mesa, era um diálogo amigável, mas vícios humanos pareciam contaminar os deuses, algo novo se formou a partir deste momento.

O primeiro Deus manteve seu posicionamento, se achou mais evoluído e capaz de reconhecer os próprios erros, e aguardou pela “evolução” do segundo, tal processo nunca aconteceu. E o primeiro decidiu por si só resolver a questão e mostrar através das ações as consequências positivas de sua tomada de decisão.

Meteoros atingiram a experiência de criação de mundo, não era o fim de todas as raças, mas era o fim do desequilíbrio proporcionado entre as espécies, proporcionalmente também ocorria o fim do equilíbrio proporcionado entre deuses.

Havia nítido desafeto em torno da questão. Era algo que feria um dos princípios mais básicos do acordo de criação: o livre arbítrio.

O primeiro deus sabia que desagradava, mas para ele os fins justificavam os meios e logo a materialidade mostraria que tal ação seria importante.

As consequências não caminharam para um entendimento e formatações no novo mundo começaram a se tornar constantes. Mesmo com o surgimento dos seres pensantes, ainda assim aconteciam erradicações, desastres naturais e todo tipo de reequilíbrio preparado as vezes de forma desproporcional.

O segundo que sempre se opôs veementemente não encontrou sentido no que vinha acontecendo de forma cada vez mais constante. E uma separação inimaginável ocorreu.

Não fazia sentido que ambos mantivessem em união, se não havia mesmo um equilíbrio entre eles. E o distanciamento físico foi uma opção viável.

Um mundo, dois deuses e concepções que seguiram caminhos opostos.

No imaginário popular essa divisão se deu por diversas formas. Na cultura judaico-cristã falaram sobre Deus e o Satanás, no Islamismo tem Alá e Iblis ou shaitan, no budismo havia a dicotomia entre Buda e Mara, no hinduísmo mesmo com uma divisão mais expressiva visualiza-se Vishnu em oposição a Rahu.

(obs: ainda em processo de produção, releitura e correção)

Em breve a segunda parte.

Rangel Paiva
Enviado por Rangel Paiva em 08/12/2020
Reeditado em 08/12/2020
Código do texto: T7130998
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