PAR DE OLHOS GRANDES.

Por @andreaagnus

Se não fosse o incômodo dos pingos do chuveiro no quintal, ela seria poupada daquela experiência inusitada. Abriu o portão dos fundos, umas duas e meia da madrugada, um vento frio a recebeu com os seus cumprimentos na linha das costas, os pelos responderam com um pavor contido, ouriçados.

Seu olhar curioso foi chamado pela escuridão. Os coqueiros balançando forte não ajudaram muito a dissipar o medo, este veio primeiro, como se adivinhasse o terror dos próximos minutos. Parou. Respirou, mais uma vez, profundamente. Ao voltar para casa, foi parada a poucos passos de chegar na área de serviço. O vulto escuro estava bem ao lado: pequeno, brilhante, estático e com os olhos de coisa nunca vista no mundo. A voz dela foi sufocada no peito e, bem na hora que ganhou forças para sair em um grito de socorro, veio o clarão. Depois disso, não se viu nem ela e nem o ser no terreno dos fundos.

A procura durou uma semana. A família toda foi investigada. Várias hipóteses levantadas: Uma menina de quinze anos, se não estava morta, fugiu com um namorado. Mas, este ainda estava lá. Então foi raptada, violentada ou saiu sem rumo porque deu na telha.

O que não ficou bem explicado para a polícia local daquela cidadezinha, acostumada a dar conta de briga em bar ou roubo de cabras e galinhas, eram as pegadas da garota no quintal. Uns doze passos indo até o chuveiro ao ar livre e oito voltando para casa, depois nada. Sumiu sem rastros.

Ela foi deixada nua, no oitavo dia, à beira-mar, mais de doze quilômetros da propriedade da sua família. Acuada como um bicho do mato judiado, grunhia. Levaram a garota direto para o hospital, estava extremamente desidratada e em choque. Passou-se um tempo e uma psicanalista, especializada em regressão, foi chamada pelos médicos que cuidavam dela. Esta é sua narração, sob efeito de hipnose:

“Eu acordei em uma espécie de mesa de metal, já sem roupa. Um pano me pressionava contra ela, era impossível me mexer. Eles começaram a perfurar várias partes do meu corpo com agulhas longas e, nas outras partes, eles usavam umas sondas... eu acho.

Seus dedos eram longos. A cabeça grande demais pro corpo pequeno e amarelado. A boca era só um risco, as saliências na cabeça pareciam chifres de bode novo. Os olhos me davam medo o tempo todo, pareciam vidros escuros, eu me via neles e foi por esse reflexo que eu percebi aquele cano fino adentrando meu nariz. Então, eles sugaram algum pedaço de mim pelo umbigo, algo foi colocado lá embaixo e ardeu, depois ficou gelado e vibrou entre minhas pernas. Eu me senti mal por gostar da sensação, deu muita vergonha. Por fim, eles tiraram tudo e jogaram um vapor em cima de mim e só acordei numa manhã na praia. Minha vista doeu muito quando senti o sol, porque onde eu estava era muito escuro.

Eu não entendo como eu fiquei tanto tempo lá...”

Meses depois, o caso foi esquecido com o mesmo rastro de pólvora que o colocou na mídia. Mas, ela ainda temia torneiras e chuveiros pingando no meio da noite. Além disso, tinha muitos pesadelos com água a inundá-la e um par de olhos grandes fixos nela com um ser pequeno e medonho se satisfazendo de seu corpo por noites a fio. Acordava apavorada e com vontade de se tocar.

Andréa Agnus
Enviado por Andréa Agnus em 01/12/2020
Reeditado em 03/12/2020
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