2020 - Panspermia do Planeta Prata-Anil
Povoar aquele pedaço esférico de rocha vagando no espaço foi mesmo difícil. Sempre era difícil! As sementes de vida estavam preparadas para isso, não tinham do quê se queixar. A ordem era sobreviver se possível; propagar a vida em suas mais diversas formas assim que fosse viável.
Isto se repetia em pedaços rochosos os mais improváveis possíveis! Alguns muito quentes, outros muito frios. Esferas pequenas demais, incapazes de sustentar atmosferas. Outras muito grandes, vários gigantes gasosos onde vida convencional, em estado sólido, era impossível. Sim, incontáveis ambientes distintos! Mas a ordem era simples: dê um jeito! Onde quer que caia, tente continuar da melhor forma possível! E há 5 bilhões de anos era o que aquelas sementes de vida caídas do espaço tentavam fazer na pequena esfera rochosa!
Eram duas esferas, uma recém separada de outra! Há pouco tempo eram uma massa única, até aquele choque cósmico as separar em dois corpos. Um deles preservou a maior parte da matéria original. O outro pedaço menor, resultante do acidente, não teve energia suficiente pra escapar, e permaneceu ligado ao corpo principal, conectado gravitacionalmente a ele.
As sementes iniciaram a vida naquele pedaço de rocha. O programa sutil era infalível. Inicialmente adensaram a atmosfera, praticamente inexistente naquela ocasião. Esta era uma parte crítica! Irmãos com as mesmas instruções tentaram isto num planeta bem parecido daquele sistema, porém mais próximo da estrela central. Naquele segundo planeta do sistema não deu muito certo, o efeito estufa do gás carbônico em desequilíbrio químico o aqueceu demais, ele se tornou um planeta quente demais para suportar quaisquer formas de vida.
Havia uma chance maior no sistema do terceiro planeta. O efeito estufa poderia ser mais facilmente controlável se não deixassem o CO2 atingir concentrações críticas. A esfera era pequena demais para suportar uma atmosfera suficientemente densa, mas a vida que lá se iniciou soube tratar deste problema! Sim, a princípio o arriscado CO2, causador da derrocada do segundo planeta, era ainda o mais pesado e indicado para adensar a atmosfera daquele bólido de pouca gravidade o suficiente para abrigar vidas mais complexas!
Uma atmosfera foi lá surgindo, e vidas evoluindo. As formas se tornando mais complexas com o passar das eras. Formas de vida unicelulares se aglomerando, se tornando populações de células. Aos poucos células destas populações se diferenciavam, assumiam funções mais adequadas à região em que se situavam dentro da colônia celular. Células do interior daqueles tubos aquáticos secretavam enzimas digestivas, se especializavam em digerir a matéria prima que caia dentro destes tubos. Células exteriores absorviam oxigênio da água e criavam estruturas rígidas de defesa. Células em torno da entrada do tubo começaram a adquirir movimentos rápidos, bombeando o caldo nutritivo do ambiente para dentro do tubo e excretando para fora os resíduos da digestão. As diversas células das colônias se especializavam assim até se tornar impossível sobreviverem sozinha, tamanha a especificidade de suas funções. Surgiam seres pluricelulares, e a explosão de vidas se iniciava como acontecia em várias outras partes do universo semeado com aquelas matrizes.
Reino animal e vegetal logo se diferenciaram daquela forma de vida primordial. Uma simbiose que sempre funcionava na maioria dos bólidos rochosos. Vida vegetal transformava a adensada atmosfera de CO2 em O2, consumida por seres animados e mais ágeis. Tais seres por sua vez consumiam O2 para seu metabolismo e devolviam o CO2 original. Um equilíbrio químico perfeito onde a energia necessária era fornecida pelo sol central, regente de todo este sistema complexo.
As histórias evolutivas em todos os mundos eram sempre bem parecidas! Haviam exceções notáveis, obviamente! Mundos com excesso de substâncias raras, como arsênico, enxofre, cianetos e mercúrio, onde a vida precisava se adaptar a situações e ambientes inóspitos. Mas quase sempre ela dava um jeito de existir, apesar das dificuldades. Porém aquele globo era padrão, repetiria uma história bem parecida com a que acontecia na maioria dos bólidos rochosos de dimensões semelhantes.
Vidas aquáticas se formaram em seus vários bolsões de água líquida. A atmosfera, apesar de tênue, já impedia a fuga de H2O para o espaço. O líquido precioso era acumulado com contínuos impactos de cometas, resíduos da formação de planetas, que se acumulavam em torno dos discos protoplanetários e eram atraídos pelo sol central. Forneciam a matéria prima para a vida nos bólidos presenteados com as sementes iniciais.
Tímidos, os peixes logo se arriscaram para a superfície ao redor dos mares circulares de água. Os vegetais aquáticos acompanharam, afinal era uma simbiose perfeita, quase um pacto entre as duas diferentes formas de vida. Plantas se multiplicaram rápido em torno de tais mares, coroando-os com intenso verde visível de longe no espaço! Surgiram aos poucos anfíbios e répteis, vidas complexas que pouco a pouco se desgarravam da dependência primeira de água líquida.
Haviam períodos difíceis! As noites frias congelavam tudo, transformavam os mares circulares em discos de gelo! Mas, como sempre, a vida se adaptou. Aprendeu a conviver com esta alternância de períodos quentes e frios! Acumulavam energia durante os dias regidos pelo sol, para suportarem as noites geladas. Aos poucos o sistema gravitacional binário foi se estabilizando, a rotação das duas esferas rochosas assumindo um período estável, adequado à vida que surgia numa delas.
A volumosa esfera rochosa do sistema protegia aquele mundo de impactos cósmicos que poderiam por fim à frágil vida iniciada. Mesmo naquele mundo tais impactos já haviam acontecido desde o início, logo após a separação das duas grandes massas, formando as crateras que atualmente comportavam a água vital em seus mares. Os répteis foram evoluindo, de uma ramificação deles surgiram aves! As aves, pequenas, ágeis e de dieta carnívora rica em proteínas, se tornavam inteligentes! Sim, havia nelas um instinto forte de predação! As aves inteligentes rapidamente dizimaram os grandes répteis, e rapidamente também consumiram os recursos de seu mundo de que elas próprias necessitavam para viver, provocaram a própria extinção.
Muito tempo se passou depois disto. Muito tempo mesmo!! A natureza já apagara qualquer vestígio de cultura das aves inteligentes, qualquer sinal de que elas alguma vez tivessem existido foi removido pela borracha da erosão. Trágico? Talvez aqui neste mundo, mas não nos abalaríamos tanto com esta história se soubéssemos o quanto ela é comum nos vários mundos semeados pelo universo! É a lei natural! Sobrevive o mais capaz, sucumbe o que não se adaptou. E acreditem, normalmente a inteligência não é vantagem, e sim a responsável pelo fracasso final das espécies que a desenvolvem. Parece cruel, mas a natureza é assim!
Mas o extermínio dos grandes répteis e a extinção final das aves inteligentes por seus próprios atos abriram outra brecha evolutiva! Seres antes ignorados, pequenos carniceiros inexpressivos, encontraram um espaço gigantesco para evoluírem. Sem perda de tempo, evoluíram! Os mamíferos se espalharam por aquele mundo!
Encontrando espaço propício, a evolução é sempre explosiva! Logo os pequenos carniceiros de quatro patas se especializaram em roedores, em carnívoros, em herbívoros... Surgiram canídeos, felinos, primatas... Os cérebros de tais primatas começaram a evoluir muito rápido! Era sempre uma destas três histórias em todos os cantos do universo: ou as aves, evoluídas dos répteis, desenvolviam uma inteligência não auto-destrutiva e se mantinham, ou evoluíam os felinos, na ausência dos primatas, ou... bem, este caso não era tão comum, mas também não era raro: os cérebros dos primatas cresciam rápido, mais ainda depois deles trocarem sua dieta herbívora por outra que continha carnes no cardápio! Os neurônios agradeciam a proteína extra, e se agrupavam rápido em estruturas cada vez mais complexas.
As fagulhas da compreensão começavam a surgir na mente daqueles hominídeos, evoluídos dos primeiros primatas! Olhavam maravilhados para seu céu noturno, contemplando aquele imenso disco prateado e seus mares azuis distribuídos por toda parte! Sua LUA, como a chamavam. Ainda era cedo demais para conhecerem a verdade. Precisariam primeiro reconhecer que os pontos errantes em seu céu noturno eram também globos, mundos iguais ao seu, apesar de desprovidos de vida. E tendo reconhecido isto, extrapolar suas observações para leis gerais, verificar que seu mundo e todos aqueles outros na verdade giravam em torno do sol amarelo, senhor do período diurno. Formular assim uma lei de gravitação universal que regia todos aqueles corpos móveis que viam e também os que não viam.
Eles já teriam erguidos gigantescas cidades com enormes arranha-céus quando isto acontecesse. Numerosas cidades aglomeradas em torno dos vários mares circulares de água, indispensável às suas vidas. Olhariam aquele enorme disco prata-anil estático em seus céus durante a noite, assumindo suas várias fases de crescente, cheio, minguante... Não o veriam na fase nova, pois o céu púrpura diurno de sua tênue atmosfera não permitia que fosse visto com clareza na presença do sol.
Mais tarde acabariam mandando sondas para aquela esfera sem vida. Não demorou muito, pois era relativamente fácil escapar da fraca gravidade de seu mundo. Futuramente até trariam de lá sua preciosa água, tão abundante nele! Abundante sim, devido à enorme gravidade! Mas acabariam descobrindo que, com toda aquela massa, ela não era sua lua! ELES é que eram a lua daquele planeta morto! Numa outra linha de tempo, o acaso fizera as sementes da vida caírem no planeta maior, e não no seu pequeno satélite. Mas eles não sabiam disso, não tinham como saber. O fato é que, naquela linha temporal específica, o satélite é que fora semeado com as sementes da vida espalhadas por todo o universo, enquanto a nossa Terra, sem este empurrão inicial, continuou como um bonito planeta cinza-azulado, com seus enormes oceanos salgados e densa atmosfera de nitrogênio lhe conferindo o intenso céu azul-anil... Mas um planeta morto apenas, sem sinal de vida em sua superfície gigantesca! Nem em terras nem em águas...