Baba Yaga
Para dar conta das despesas, ela estava trabalhando em dois lugares; ao menos, era a desculpa que dava para não ter tempo de estar conosco. Mas havia um outro aspecto que eu e minha mulher não costumávamos comentar, mesmo a sós e dentro de casa: Kate, nossa filha, havia sido admitida para um programa sigiloso do Ministério da Defesa. Normalmente, isso incluía viajar no verão para uma localidade não especificada nos Urais, sobre a qual ela nada falava, nem nós nos atrevíamos a lhe perguntar. Numa das raras vezes em que fez alguma observação sobre o trabalho, Kate disse que tinha bastante tempo para dedicar-se à fotografia. E só.
- Você acha que o Ministério da Defesa contrataria nossa filha apenas para tirar fotografias? - Indagou do nada Maya, minha esposa, num intervalo do "Quê? Onde? Quando?" na TV.
- Kate sempre foi um prodígio com uma câmera na mão, - avaliei - mas daí a ser admitida num programa secreto do Ministério da Defesa, vai uma grande distância. E também não disse que essa era a atividade principal dela, deu a entender que era um passatempo.
Maya segurou meu braço, muito séria.
- Se o local é secreto, como permitem que ela passe o tempo tirando fotos... mesmo fotos que ela não pode nos mostrar, por razões óbvias?
Fiquei mudo, e fui salvo pela volta do programa. Era uma daquelas perguntas cuja resposta está dentro de uma caixa preta, e os seis especialistas sentados ao redor da mesa redonda do jogo pareciam tão embatucados quanto eu.
Dias depois, a própria Kate ligou e fui eu quem atendeu a ligação, a qual coloquei no viva-voz para que Maya pudesse acompanhar a conversa.
- Não vão lhe dar folga para vir nos ver? - Indaguei, tentando fazer graça.
- Muito trabalho, pai. Estou trabalhando dobrado, e comendo por dois também - admitiu Kate com voz cansada. - Daqui a pouco, não vou mais caber nas minhas roupas. Mamãe está aí?
- Do meu lado, ouvindo pelo viva-voz - informei.
- Ótimo. Mãe, dia desses lembrei de você; por aqui não vendem stakanchik de frutos silvestres, consegue imaginar uma coisa dessas?
Maya apertou meu braço e mordeu os lábios antes de replicar:
- E o que você fez, filha?
- Pedi para comprarem fora. São todos muito gentis comigo, às vezes um tanto superprotetores... estou me sentindo adotada!
Kate deu uma risadinha e eu e Maya nos entreolhamos.
- Mas não se esqueça de que nós somos seus pais - Maya protestou, fingindo indignação.
- Nunca vou esquecer. Amo vocês! - Declarou ela. - E agora, me deixem voltar para a minha torre... ligo no fim de semana.
Quando a ligação foi finalizada, eu e Maya ficamos nos encarando em silêncio, até que ela dissesse:
- A resposta para a pergunta que não foi feita, é Rapunzel.
Balancei a cabeça em concordância.
- Eu estava em dúvida até ela falar em stakanchik de frutos silvestres... a única ocasião em que me lembro de você ter pedido esse sabor específico, foi quando estava grávida. Da Kate.
- Eu matei a charada antes de você, portanto ganhei a rodada - vangloriou-se Maya. - Minha preocupação agora é o que a bruxa superprotetora fará quando souber da gravidez.
Pus um braço sobre os ombros de Maya.
- A bruxa sabe. Até comprou sorvete para a nossa menina... vovó - sussurrei.
Maya arregalou os olhos, subitamente consciente das implicações daquela constatação.
- [13-10-2020]