Tesouros no céu
Espantou-se ao perceber que no espaço não havia nada, afora o próprio espaço.
- Sabe aquela história de que a matéria é composta basicamente de espaço vazio? É exatamente o que você está vendo agora - disse Xavier.
Um vasto nada, que se estendia por milhões e milhões de quilômetros em todas as direções, avaliou. A estrela mais próxima estava a 2 ou 3 anos-luz de distância, dissera Xavier, e isso não significava somente luz, vida e civilização, mas algo tão básico quanto uma rocha onde colocar os pés.
- A analogia não é tão perfeita assim - admitiu Xavier. - Mesmo aqui, no vácuo interestelar, há matéria em suspensão. Não apenas poeira cósmica e detritos deixados pela passagem de sóis e seus planetas, mas objetos de massa planetária e até mesmo anãs marrons. São difíceis de detectar, pois não emitem luz.
- E o que, exatamente, estamos procurando? - Indagou finalmente. - Você disse que este sistema solar passou por aqui há vinte mil anos. O que poderia ter deixado para trás?
- Uma boia, ou algo assim; para marcar a posição que ocupavam originalmente quando passaram por aqui, e que só voltariam a encontrar, com sorte, daqui à uns 200 milhões de anos, quando dessem a volta ao redor da Galáxia e retornassem a este ponto.
Olhou pelas escotilhas da astronave e tudo o que havia ao redor eram trevas e as luzes frias de estrelas distantes demais para fazer alguma diferença.
- Para usar uma antiga expressão, será como procurar agulha no palheiro - comentou desconsolado.
- Aí é que você se engana, meu caro - replicou Xavier, atento ao console de navegação. - Essa boia possui um radiofarol, justamente para permitir ser localizada. Vinte mil anos atrás, provavelmente não lhes ocorreu que um dia, alguém poderia querer refazer o caminho de volta.
- O que eu não entendo é porque alguém iria querer alguma coisa que só iria reencontrar em 200 milhões de anos - ponderou.
- Deve ser algo extremamente valioso, não acha? - Retrucou Xavier, como se aquilo fosse óbvio.
Não deu resposta. A astronave e o plano eram de Xavier, e ele, como irmão caçula, estava ali apenas para cumprir ordens. Todavia, a coisa toda não parecia fazer sentido.
- Estou captando um sinal, bem fraco... uns 7 bilhões de km à nossa frente - informou Xavier, exultante.
Acionou os motores da nave, e depois os retrofoguetes, quando o sinal ficou mais forte.
- Deve estar bem perto agora - declarou.
O objeto que avistaram sob a luz dos holofotes da nave, era um dodecaedro cinzento, de metal, com talvez 1 km de raio. Em cada uma das arestas, havia pontos de atracação para astronaves, devidamente sinalizados.
- Parece que estavam esperando visitantes - observou.
- Não tão cedo - replicou Xavier.
Com a nave devidamente ancorada em uma das arestas, colocaram os capacetes dos trajes espaciais e desembarcaram para abrir uma das câmaras de descompressão. Luzes alaranjadas acenderam-se, imitando a tonalidade do sol do planeta de origem dos construtores, e pouco depois o compartimento foi pressurizado.
- Vinte mil anos depois, o sistema ainda funciona perfeitamente - avaliou Xavier. - Mas é uma incógnita se isso irá durar 200 milhões de anos.
Avançaram por um longo corredor sextavado rumo ao núcleo da estação espacial, onde Xavier suspeitava que estivessem armazenados os tesouros da civilização que construíra aquele artefato. Ao longo do caminho, portas se abriam sem qualquer restrição, como se nada houvesse ali que precisasse ser escondido. Finalmente, emergiram numa plataforma que circundava todo o núcleo da estação, e flutuando dentro deste, um modelo realístico do sistema solar dos construtores.
- Então, o maior dos tesouros deles era este planetário? - Indagou para o irmão.
Xavier aproximou-se de um dos consoles que margeavam a plataforma a intervalos regulares. Os comandos eram fáceis de operar, e ele percebeu que poderia dar zoom em qualquer ponto do planetário. No planeta natal dos construtores, por exemplo, tal como ele era há vinte mil anos. A superfície foi se aproximando e ele pôde descer até ao nível da superfície e ver de perto as belezas naturais e as construções que seus habitantes haviam edificado sobre ele.
- Isso é um museu. Um museu holográfico - Xavier mal podia disfarçar o desapontamento.
Colocou a mão no ombro do irmão mais velho e comentou:
- Não há nada aqui para ser roubado, exceto talvez, memórias.
Xavier abanou a cabeça.
- Bens materiais. Memórias não me interessam.
E tomaram o caminho de volta para a astronave, que os levaria para onde havia luz do sol, ar fresco e terra firme sob os pés.
- [10-10-2020]