Os visitantes da Terra
- Amanhã trará algo de novo, portanto deixe hoje como lembrança.
Parei de escrever no pergaminho, coloquei a pena no tinteiro, e encarei Nalich com curiosidade.
- O que vai acontecer de tão importante amanhã?
- Uma nave da Terra fez contato - redarguiu em tom solene. - Deve estar pousando pela manhã.
Ergui as sobrancelhas.
- Terra... quanto tempo faz que não vinham por estas bandas?
- Você não era nascido, com certeza, - assegurou Nalich - mas eu me lembro muito bem. A nave deles pousou no descampado ao sul da vila. Ficaram entre nós por algumas semanas, antes de seguir viagem.
Alisei o pergaminho com o punho, pensativo.
- Terra... sim, copiei alguma coisa sobre eles. Quase destruíram seu mundo numa guerra nuclear, não foi isso?
- Esses mesmos - confirmou Nalich. - É quase um milagre que tenham conseguido reconstruir sua tecnologia ao ponto de retomar as viagens interestelares.
- Será que não são os mesmos que aqui estiveram, de volta? - Questionei.
- Eu perguntei isso, responderam que não; estão vindo diretamente da Terra. Por isso eu digo que o amanhã nos trará algo de novo: se eles conseguiram passar pelo filtro da autodestruição, é uma prova de que atingiram a maturidade cósmica.
- Talvez às custas da destruição de boa parte do seu próprio planeta e habitantes - ponderei. - Os sobreviventes não devem ter tido outra alternativa que não se unirem para sobreviver.
- Enfim, vamos ao campo amanhã, dar-lhes as boas vindas - disse Nalich. - E ouvir as histórias de sobrevivência que têm para nos contar.
Na manhã seguinte, eu, Nalich e boa parte da vila nos agrupamos às margens do campo, ainda coberto pelo orvalho matinal. A nave da Terra apontou no céu azul e acionou seus retrofoguetes para pousar, em meio a uma coluna de chamas. Nós nos afastamos prudentemente até uma distância segura, sob as árvores.
- Essa nave é bem maior do que a primeira que esteve aqui - avaliou Nalich.
- Fizeram progressos - repliquei.
Uma rampa metálica destacou-se do casco da astronave e tocou o chão. Finalmente, os terrestres começaram a descer em fila, organizadamente, seus trajes espaciais brilhando à luz do sol. Nalich adiantou-se, para saudá-los.
- Bem-vindos, homens da Terra!
- Do que foi que nos chamou? - Indagou o que vinha à frente, começando a remover o capacete.
Finalmente, uma cabeça coberta de pelos negros e encimada por duas orelhas redondas surgiu. Sobre um focinho cinzento, cônico, dois olhos escuros nos encararam com tranquila curiosidade.
- Deixe-me fazer uma correção - ele disse. - Nós viemos da Terra, mas não somos homens. Os homens estão extintos.
- [09-10-2020]