Tributo à Cegueira
E quando já não havia mais volta, alguém lembrou:
- A placa!
E correram até ela, todos, e desesperados. Se não por uma salvação, pelo menos por um motivo, algo que explicasse a tragédia — aquele monstro caótico que devorava o horizonte e só deixava o Fim no seu lugar.
Diante da placa emudeceram. Em tempos passados (quanto mesmo?) havia algo escrito ali. E era importante. Letras grandes e largas e vermelhas. Uma frase em negativa terminando com um imperioso sinal de exclamação. E agora a placa estava apagada.
Ninguém na multidão miserável podia dizer o que é que um dia fora escrito ali. Mas entre as bocas, puxando de memórias infantis (daquele tempo que parecia eterno), circulava um sussurro:
- Não…! Não…!
Não, não e não. Mas não o quê? O resto não vinha, não emendava na memória. E era importante, grande, fundamental. Por isso a placa.
Nisso, o monstro cresceu no horizonte. Sedento, raivoso e vingativo. Caos. Fim. Desespero.
A multidão, apalermada, fitou a placa por uma última vez. A placa assim meio torta, meio frouxa, apagada, branca, descuidada. Alguns na multidão (poucos, na verdade) perceberam que a placa daquele jeito era uma denúncia:
- Vocês se fizeram desavisados.
O monstro cruzou a linha do horizonte, e a ignorância não encontrou perdão nem explicação.
A placa continuou lá, mesmo depois que a multidão sucumbiu — só um pouco mais torta, um pouco mais frouxa. Aquele aviso calado que a História, num futuro distante, chamaria de Tributo à Cegueira.