Congelado no Tempo (Microconto)

“Um futuro brilhante”, dizia o slogan da companhia.

— Então, senhor Anestésio, vamos fechar o pacote? – Indagou a administradora.

— Qual é a vantagem? – Interrompeu o homem com certa idade.

— Bem, o senhor ficará congelado por duzentos anos e acordará num mundo completamente novo, sem contas, sem registros escusos, livre de pessoas indesejáveis, ou até mesmo de parentes irritantes (segundo alguns clientes).

— Certo. Mas qual é a vantagem de estar lá?

— O senhor terá mais tempo de realizar seus sonhos, sem qualquer compromisso. A tecnologia, por certo, estará em um novo patamar e sua saúde será restaurada. Não gostaria de voltar aos tempos áureos, juvenis?

— Qual é a vantagem?

— Ora, senhor Anestésio. Eu e o senhor sabemos muito bem... Me refiro aos prazeres da vida! Aprender algum instrumento musical! Viajar pelo mundo! Realizar projetos em que as condições só aparecem no fim de suas forças...

— Ainda assim, preciso saber quais são as vantagens. – Insistiu ele.

— Bem, os cientistas, os econômicos – e mais uma infinidade de associações e categorias da sociedade – preveem que parte da humanidade se extinguirá nos próximos cem anos. Não gostaria de “pular” esse período obscuro?

— E vocês?

— Se o senhor observar o capítulo final do contrato, verá que temos estrutura e planejamento para os próximos mil anos, pelo menos. Não se preocupe conosco. O senhor deve pensar no SEU bem estar, nos seus desejos mais profundos.

— Qual é a vantagem? – Insistiu pela quinta vez.

À essa altura, o rosto da administradora enrubesceu. Respirou fundo, ajeitou o terno lilás de faixas brancas, descruzou as pernas, curvou o corpo para frente e falou de maneira suave.

— Como o senhor pode ver aqui nas entrelinhas, o senhor será pago com juros por todo esse tempo em que seu corpo estiver sob nossos cuidados. Duzentos anos! Peço que desconsidere a palavra “experiência”. É um termo muito vago e insignificante pelo prêmio que o senhor obterá ao final da “viagem”.

— Agora vi vantagem! – Concordou ele, finalmente.

— Apenas lembre-se de que não poderá levar nada consigo, a não ser a própria roupa do corpo.

— Só preciso do meu caderno de notas. – Disse Anestésio, seguro de si.

— Caderno de notas? O senhor acordará no futuro! Por que levar uma agenda velha e morta? – Indagou ela, de maneira incisiva.

— Porque, se tem uma coisa que aprendi durante esses anos, é que não importa se avançarmos cem, mil ou dez mil anos. A humanidade sempre terá alguém cheio de hipocrisia, querendo tirar vantagem de tudo. Vou anotar! – Encerrou ele, de maneira positiva.

A administradora apenas sorriu de leve e o direcionou à equipe de descontaminação. Cinquenta andares abaixo do escritório estava seu novo lar. Um lugar de silêncio, imemorial, contemplativo... E de níveis de radiação altíssimos.

“Um futuro brilhante”, dizia o slogan da companhia.