O homem que caiu na Terra

O major Ippolit Tikhonovich ficou surpreso ao ouvir um índio moicano falar francês, embora isso parecesse confirmar sua suspeita inicial de que caíra em algum ponto do sudoeste do Canadá.

- Je te comprends - respondeu, erguendo as mãos num gesto que esperava fosse compreendido como de paz. Felizmente, ele havia estudado francês desde o ensino fundamental e era capaz de manter uma conversação formal sem grandes dificuldades.

- O que é isso? - Indagou o moicano, apontando para a cápsula Pioner chamuscada pela reentrada na atmosfera.

- É uma... cápsula espacial - declarou o major cautelosamente. Naquele fim do mundo, era provável que os índios sequer soubessem que a União Soviética já colocara vários homens - e uma mulher - em órbita da Terra.

- Você caiu do céu, - disse o índio de forma retórica - dentro desta coisa.

- Este é um veículo que o meu país desenvolveu, para que possamos ver a Terra lá do alto - tentou explicar, nos termos mais leigos que conseguiu recordar.

O tradutor virou-se para os cinco outros guerreiros que aguardavam à distância, e começou a lhes explicar em língua nativa e através de gestos, o que o major acabara de lhe contar. Os outros abanavam as cabeças, como se não estivessem convencidos.

- Eles querem que você mostre como pode sair do chão nesta sua... cápsula espacial - disse o guerreiro.

- Infelizmente, para isso eu precisaria de um foguete... e não creio que haja nenhum nas redondezas - tentou gracejar. - Mas se puderem me levar até um telefone na sua aldeia, talvez eu consiga arranjar uma demonstração...

- Telefone?

O tradutor fez cara de ponto de interrogação e o major começou a pensar que havia caído muito mais longe da civilização do que poderia imaginar a princípio.

- Se não tiver telefone, um rádio serviria... o meu provavelmente ficou avariado com a queda. Só estou captando estática.

- Você fala de um jeito engraçado - redarguiu o tradutor. - E as suas roupas são estranhas. Como se chama? De onde veio antes de cair do céu?

- Eu sou o major Ippolit Tikhonovich Reznikov, da Força Aérea da União Soviética - apresentou-se.

- Força Aérea? - O tradutor olhou para ele confuso. - Foi o que lhe jogou no céu?

- Bem... de certo modo, sim.

- E o que é União Soviética?

- É uma terra ao norte daqui. Eu venho de um local chamado Rússia, dentro desta União Soviética.

- Ao norte, só há gelo - ponderou o guerreiro.

- Fica muito longe daqui - tentou explicar. - Você tem que atravessar o oceano.

Um brilho de compreensão passou pelos olhos do tradutor.

- Como os chuckopeks.

- Chuckopeks?

- Os brancos que falam francês. Como você - explicou o tradutor com ar divertido.

- Eu não venho da França - corrigiu o major. - A Rússia fica na direção oposta, para o lado onde o sol se põe. Mas você não se apresentou; como se chama?

O tradutor levou a mão ao peito.

- Askuwheteau. E agora, se quiser nos acompanhar até nossa aldeia...

- Com prazer! - Aprovou o major.

- [20-09-2020]