A amplidão dos espaços abertos
Ele tinha pavor de espaços confinados e ela sabia disso; portanto, abordou a questão com cuidado.
- Você não vai ficar consciente por mais de alguns minutos dentro da câmara de criossono. Sequer vai perceber quando ela se fechar.
- Meu corpo vai ficar fechado dentro daquele... sarcófago? - Ele fez uma careta, enquanto o holograma da nave girava sobre o console 3D à frente deles.
- Mergulhado num sono profundo e provavelmente sem sonhos - prometeu ela. - Quando acordar, a cobertura da câmara se abrirá automaticamente e você poderá sair assim que se sentir em ordem.
- A tecnologia de transporte interestelar avançou tanto nos últimos séculos, - avaliou ele, recostando-se na poltrona anatômica que se amoldava aos contornos do seu corpo - que me parece inteiramente anacrônico ter que usar uma dessas astronaves obsoletas para me deslocar até o meu destino.
- Talvez não saiba, mas mesmo com a universalização dos portais, astronaves ainda estão em uso geral - informou ela. - Simplesmente, há lugares distantes onde portais não foram ainda instalados, e para chegar até eles, são necessárias astronaves.
- Confesso que nunca havia parado para pensar nisso - admitiu ele. - Mas é bastante desagradável que justamente esse lugar nos confins do Universo não tenha um bom portal que permita acesso imediato, sem antiquadas câmaras de criossono!
- Não há demanda suficiente que justifique a instalação de um portal lá - explicou ela pacientemente. - E caso precise voltar algum dia, terá que repetir o procedimento.
Ele a encarou com ar sagaz.
- E se eu aproveitar a minha viagem para instalar um portal lá? Assim posso dispensar a astronave no retorno.
Ela ficou pensativa.
- Talvez isso possa ser arranjado - declarou por fim.
* * *
O planeta havia sido descoberto há séculos num dos braços externos da Galáxia, por uma corporação que há muito deixara de existir. Catalogado e esquecido, agora finalmente descobrira-se uma utilidade prática para ele: sua composição quase que 90% metálica o tornava ideal para instalação de um dos projetores de massa que esperava-se viabilizariam uma futura rota de acesso para a galáxia vizinha, outra gigante espiral.
Felizmente para ele, o que fora prometido antes da partida revelara-se real: o longo trajeto entre as estrelas até ali transcorrera como um longo sono sem sonhos. Após seu pouso numa planície de metano congelado, sob a luz de um anel diáfano de cristais de gelo que circundava o planeta, acionou os drones que iriam mapear os melhores pontos da superfície para a construção do projetor de massa. Em seguida, ativou os robôs industriais responsáveis pela instalação do portal que lhe permitiria voltar à civilização num piscar de olhos. Este, ao seu ver, era a sua atividade principal ali.
- Agora sou um instalador de portais! - Definiu-se com orgulho, ao ver pronta a estrutura que lembrava um grande arco, sobre um platô rochoso a cavaleiro do ponto onde sua nave estava pousada.
Graças à sua diligência, o transporte dos equipamentos para a construção do projetor de massa não seria feito pelas morosas naves interestelares, mas passaria direto pelo portal. E agora, como seu último ato, iria acionar os comandos no console do artefato para viabilizar a sua viagem de volta instantânea. Todavia, quando apertou o botão que executaria a ação, uma luz vermelha acendeu-se no console.
- Como assim? - Murmurou contrafeito, inclinando-se dentro do traje espacial sobre o console.
"NENHUMA ESTAÇÃO DE TRANSFERÊNCIA PRÓXIMA O SUFICIENTE", leu no painel. O portal estava operacional, mas simplesmente não conduzia a lugar algum.
Ele voltou os olhos para o céu negro sobre sua cabeça, cortado pelo anel equatorial de gelo, e engoliu um palavrão. Ao menos, não mandara a nave embora, conformou-se. Tudo o que tinha que fazer era seguir até um ponto intermediário e construir um outro portal. E assim por diante.
Voltaria para casa do jeito que havia planejado, decidiu. Nem que para isso precisasse vagar durante anos entre as estrelas...
- [08-09-2020]