CASSANDRA 

Ah a ausência da gravidade era maravilhosa!!! A câmara de anti-grávitrons era a melhor parte do dia de Cassandra, ela podia sentir os discos vertebrais se descomprimindo, as dores musculares melhorando aos poucos. Desde que nascera aquela tecnologia lhe salvara a vida, com certeza. Em breve ela tinha certeza que conseguiria caminhar com a ajuda do exoesqueleto que estava sendo desenvolvido especialmente para ela.

No passando crianças como Cassandra tinham uma vida miserável, quando conseguiam sobreviver. Osteogênesis Imperfecta* já foi uma sentença de morte, mas as coisas melhoraram muito. Complementação alimentar, terapia com células tronco e a câmara de anti-grávitrons fazia com que as crianças dos ossos de vidro pudessem ter uma vida mais longa e feliz, beirando o normal. Mas Cassandra queria mais do que uma vida normal: ela queria uma vida extraordinária.
 
- Quero ser astronauta, pai! - Ela dizia desde sempre. O pai no início achava que a brincadeira de criança iria passar, mas não passou. Ela queria ser a primeira pessoa com Osteogênese Imperfecta a viver no espaço. E ela explicava:
 
- Veja como a falta de gravidade faz bem para mim! Eu não nasci para viver na Terra! Aqui eu sofro muito, pai!
 
Para uma menina de 11 anos ela falava difícil, parecia uma mini-adulta. Resultado da falta de convívio com as outras crianças: não tinha graça não poder correr, brincar lá fora. E ela ficava mais tempo com fisioterapeutas e médicos do que com sua própria mãe, às vezes. Ela então se aprofundou em estudos e investigações, que mantinham aquela mente ativa dentro daquele corpo frágil. O pai, engenheiro mecatrônico, resolveu participar da brincadeira da menina, e passavam horas conversando sobre o futuro no espaço. Ele estudava uma forma de construir um exoesqueleto mecatrônico adequado para as necessidades dela, e quando ela tivesse andando junto com as outras crianças esqueceria daquelas bobagens.
 
Cassandra perguntava muito sobre a Lua:
 
- O que tem lá, pai?
 
- Lá tem um espaçoporto lunar. Uma doca de abastecimento, de manutenção. Nada importante.
 
- Tem pessoas lá?
 
- Tem transumanos. Você sabe: geneticamente modificados.
 
- Transumanos não são pessoas pai?
 
- Não como nós! Eles são peças para o funcionamento do todo, eles são mão- de - obra, nada mais.
 
Cassandra assentiu, mas não se conformou com aquela resposta. Porque transumanos não são pessoas? Porque seus genes são diferentes? Mas todas as pessoas não teriam genes diferentes umas das outras? Não eram seus próprios genes os responsáveis por todo seu sofrimento? E se ela pudesse mudar seus genes, ela não seria mais uma pessoa?
 
Ela cresceu, não se tornou astronauta. Seu corpo jamais aguentaria a força de aceleração na decolagem, e qualquer impacto no espaço traria uma fratura nova. O exoesqueleto não funcionou como deveria: a pressão da gravidade sobre seus joelhos e tornozelos causou deformidades e mais dores do que ela podia suportar. Foi então que ela começou seus ousados estudos de manipulação genética com nanorobôs. Talvez a vida dela não pudesse ser um mar de rosas, mas seus filhos não precisariam passar por todo aquele sofrimento.
 
Cassandra continuava seu tratamento na câmara de anti-grávitrons regularmente. Enquanto ela flutuava calmamente no compartimento estanque, naquelas poucas horas em que não haviam dores, ela fechava os olhos e gostava de imaginar que estava na Lua...
 



(*Osteogênesus Imperfecta ou doença dos ossos de vidro: deficiência congênita na síntese do colágeno, que determina o crescimento de ossos muito suscetíveis a fraturas.)
Dara Pinheiro
Enviado por Dara Pinheiro em 30/08/2020
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